Crise Dissolvente
Aos portugueses resta votar com uma “explosão de raiva”. Votar como quem se revolta.
Pela mão do primeiro-ministro, a honra do Regime e da República foi atirada aos cães. Falta “decência republicana” onde sobra “indecência socialista”. O partido fundador do Regime é afinal o partido dono do Regime. O partido fundador arrasta a República para a zona cinzenta da opacidade política. A Democracia portuguesa é afinal uma fraude que dilacera quem sente este País e detesta esta política. Fica apenas a prova de que Portugal não mudou para além da superfície. Fica apenas a imagem de um primeiro-ministro que nunca passou da superfície dos discursos políticos. A única herança do primeiro-ministro é o cinismo do falso progresso e o legalismo de uma República informal.
Agora ficam bem evidentes as razões da fobia às reformas e a resistência às remodelações. O governo limitou-se a reproduzir a cultura política portuguesa marcada pelo patrimonialismo que leva ao atraso económico com as falsas luzes do progresso. A ideia de que a riqueza da nação é a riqueza do governo é uma ideia típica de uma democracia terceiro-mundista, miserável, dependente do Estado e em estado de dependência das decisões políticas. Lucram os nossos em nome do País, perde o País em benefício dos nossos. Nesta lógica, as reformas são um obstáculo ao modo habitual de fazer política. Nesta lógica, as remodelações são uma perturbação ao bom andamento da política. E tudo porque a política é entendida como o negócio da Nação. Para o primeiro-ministro agitar a superfície da política é perturbar a profundidade dos negócios.
O governo socialista transformou Portugal numa verdadeira oligarquia. O partido incorpora o governo que se liga aos negócios designados por “investimento estrangeiro”, uma categoria política protegida dos olhares indiscretos em que o grau de informalidade e expedientes público-privados decidem os destinos do País. Num verdadeiro “paraíso fiscal”, os oligarcas vêm da política para os negócios. E agem para se tornarem oligarcas dos negócios. Há toda uma vida para além da política e os negócios são a melhor garantia para a prosperidade pessoal. Entretanto, o País empobrece face ao estabelecimento de um “capitalismo rentista” criado pelo poder político. Este é o retrato de Portugal.
Face a esta visão da política não importa “aumentar” o Estado ou “diminuir” o Estado, não importa exibir programas de Esquerda e governar encostado às práticas da Direita. O maiúsculo ou minúsculo Estado nunca impedirá a função das oligarquias no indispensável e regular funcionamento das instituições. Por isso o governo nacionalizou para privatizar. Por isso o governo privatizou para nacionalizar. A lógica está em manter a circulação dos benefícios entre os oligarcas a prejuízo da Nação. Porque a Nação paga em impostos as más decisões dos oligarcas e as más práticas dos políticos.
É triste ter de admitir que a pobreza estrutural e endémica de Portugal sirva para alimentar a inveja e a fantasia do dinheiro fácil, do “dinheiro político”, justificado com discursos políticos a transbordar com “justiça social”, “serviços públicos”, “recuperação de rendimentos” e outras palavras de ordem sussurradas no lobby de um hotel.
Depois vem a dimensão sórdida da crise política. Ficam os portugueses a saber que existe o cargo de “Melhor Amigo do Primeiro-Ministro”, categoria política que se posiciona acima dos Ministros, escapa ao controlo do Parlamento, não necessita da nomeação do Presidente da República. Agora parece que o primeiro-ministro não tem amigos. Escrevam os portugueses ao primeiro-ministro e transformem Portugal numa Nação de “pen-friends”. Peçam amizade nas redes sociais. Mostrem reconhecimento por mais uma década perdida para Portugal.
Há ainda um chefe-de-gabinete que é o merceeiro-mor da República com envelopes de dinheiro, caixas de vinho, como se São Bento fosse a mercearia da República com caixa registadora e “livro de fiados”. A “ética da República” não se afirma na Europa e confunde-se com um “fado vadio” em permanente peditório.
E como fica Portugal no meio do descalabro? Fica onde está. Fica com um governo que não é governo. Fica com um primeiro-ministro que não é primeiro-ministro. Fica com ministros que não são ministros. Fica com um Orçamento que não é Orçamento. Fica seis meses em estado de suspensão democrática por decisão do Presidente da República. O País fica a balançar entre as intervenções da Justiça e as justificações de um primeiro-ministro que já não é primeiro-ministro e que se devia afastar do passeio público. Fica Portugal uma ficção política e uma mentira institucional. Tal como ninguém teve a coragem de comunicar a Salazar que já não governava Portugal. Fica a falsa imagem de uma falsa soberania.
E como ficam os portugueses no meio do descalabro? Os portugueses oscilam entre o “povo ordeiro” e o ódio ao Estado. O “povo ordeiro” porque depende do Estado e do assistencialismo público. O ódio ao Estado porque o Estado é a sucessão das tribos que mantêm Portugal pobre e atrasado. Aos portugueses resta votar com uma “explosão de raiva”. Votar como quem se revolta. Votar para mudar a paisagem política. Votar para recuperar os farrapos de um País estilhaçado.
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