Demasiado Sério

  • Catarina Veiga Ribeiro
  • 3 Fevereiro 2022

A justiça e os seus operadores e a política que se quer para a justiça e os seus governantes, bem sabem que o sistema, com estas intoleráveis permissões, está doente. Mas há cura!

O resultado das eleições do passado domingo trouxe, pelo menos, como é de conhecimento generalizado uma onda de surpresa em face das projeções que as sondagens nos foram fornecendo. À parte as análises político-económicas que, de um acompanhamento algo aturado, parece que são as que mais pululam em face do resultado atingido, importa a quem trabalha com outras matérias refletir sobre as consequências, no caso, para a justiça da manutenção de um estado de coisas nos termos atuais, nomeadamente na área criminal. Bem sabendo que os poderes executivo e judicial são autónomos, ou, como vem nos livros, devem sê-lo, importa, contudo, pensar se os operadores judiciários e a política de justiça vigente (que, em teoria, se manterá) vai continuar a permitir que assistamos, quase sem reação (ou pelo menos, sem as consequências que devidamente se imporiam por parte de quem manda) a violações públicas de direitos e princípios processuais penais fundamentais e fundantes do processo penal e, assim, da nossa democracia. E isto porque a política de justiça e o que se quer para a Justiça conta, em primeira mão, com os responsáveis das instituições que, neste âmbito, nos governam: o Ministério da Justiça e o seu ministro, a procuradoria Geral da República e o Procurador Geral da República e depois os atores que nas várias instâncias regem a marcha dos processos que têm confiados – ao dizer isto, não posso deixar de trazer imediatamente à colação o que se espera, no âmbito criminal, da postura do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e do Tribunal Central de Instrução Criminal, bem como dos interlocutores máximos dos tribunais superiores.

É que se queremos ser lestos a divulgar novos inquéritos e a alardear o (bom) combate que se tem feito em determinadas áreas de criminalidade complexa (nomeadamente a económica), não devem os responsáveis pela justiça e pela política da justiça ser omissos relativamente a práticas ilícitas que no seu seio ocorrem – violadoras dos direitos dos cidadãos sob escrutínio (arguidos ou não) – sem assunção de responsabilidades e toma de medidas em conformidade. Poderia enumerar consideráveis exemplos desta (permitam-me a expressão) crescente bandalheira, mas limito-me a referir as intoleráveis violações do segredo de justiça a que os responsáveis pela justiça impavidamente assistem – pasme-se! – e que já têm barbas infelizmente, e aos mais recentes baby steps dados (mas que também envelhecem se não se lhes deita a mão) relativamente à divulgação de transcrições de escutas telefónicas que constam dos processos judiciais.

Para quem cá anda, o espetáculo é deprimente (embora a audiência generalizada se deleite e os órgãos de comunicação social agradeçam os shares e visualizações alcançados) e a assunção de responsabilidades exige-se para ontem. A justiça e os seus operadores e a política que se quer para a justiça e os seus governantes, bem sabem que o sistema, com estas intoleráveis permissões, está doente. Mas há cura! Basta que os responsáveis tomem medidas e se exijam responsabilidades aos prevaricadores. É demasiado sério para ser só pão e circo.

  • Catarina Veiga Ribeiro
  • Of counsel na Miranda & Associados

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