Estão as empresas familiares a ficar mais verdes?
A resposta aos desafios ambientais pesa cada vez mais na tomada de decisões no universo das melhores empresas familiares e apresenta melhores resultados do que nas empresas não familiares.
Sob pressão da sociedade e de todos os “stakeholders” em geral, a proteção do ambiente está a ser assumida de forma cada vez mais intensa por todos os setores empresariais e em especial pela produção e transformação agroflorestal, onde os desafios estão particularmente próximos do “core business” de cada uma delas.
Hoje o ambiente está diluído num conceito de moda que dá pela sigla ESG. Criada há 20 anos Banco Mundial e avidamente agarrada pelas grandes consultoras para a promoção dos seus serviços, o conceito de ESG é difícil de compreender e de aceitar porque mistura assuntos que têm pontos comuns (há sempre pontos comuns em tudo…) mas que na realidade possuem individualidades próprias muito maiores do que o conceito da sua aglutinação e que mereciam continuar a ser tratadas, medidas e reportadas de forma individual.
Assim, ao Ambiente (Environment) junta-se o Governance (um tema de direito próprio que pouco tem a ver com o Ambiente) e o gigantesco chavão a que hoje se chama Sustentabilidade – uma amálgama de desempenho económico, ambiental e social, cada um com os seus desafios próprios. Dito isto, na minha opinião ESG é uma mistura de temas importantes que se tocam mas que de forma alguma faz sentido colocar no mesmo “saco” exceto se cada empresa souber individualizar os cinco ou seis temas específicos dentro do “saco”.
Um dos resultados da adoção do reporte ESG é que os chavões de Governance e Sustentabilidade estão a pesar cada vez mais nos relatórios e estudos ESG das empresas. Por isso é sempre propício voltarmos a olhar seriamente para o Ambiente não como um elemento secundário esquecido no fundo do “saco” mas como como um tópico isolado de primeira linha e direito próprio.
Estado da gestão ambiental nas empresas familiares vs não familiares a nível mundial : Insights do estudo internacional do IMD
Ao olhar para qualquer ângulo da economia sobressaem sempre, pela sua tremenda importância, as empresas familiares e será por isso mais uma vez o nosso foco. Sendo a forma de negócio mais omnipresente em todas as economias mundiais, as empresas familiares não estão isentas da necessidade de gerir a crescente procura de práticas empresariais mais ecológicas. A sua adoção coloca desafios únicos aos líderes de empresas familiares, levando-os a enfrentar incertezas e complexidades no caminho para o desenvolvimento sustentável do ponto de vista ambiental e económico. No entanto, qual – se algum – impacto tem uma estrutura de empresa familiar na forma como as organizações respondem a estes desafios? Além disso, será que as empresas familiares, com as suas características e atributos próprios, são melhores do que as não familiares a navegar nas exigências das regulamentações ambientais e dos consumidores eco-conscientes?
O IMD desenvolveu um estudo internacional sobre as práticas de gestão ambiental interna e externa de 1.690 empresas familiares e não familiares de 29 países e 19 setores industriais entre 2007 e 2014, revelando que a prevenção da poluição, a gestão da cadeia de abastecimento verde e as práticas de desenvolvimento de produtos verdes variam muito entre os diferentes tipos de empresas .
O IMD desenvolveu um estudo internacional sobre as práticas de gestão ambiental interna e externa de 1.690 empresas familiares e não familiares de 29 países e 19 setores industriais entre 2007 e 2014, revelando que a prevenção da poluição, a gestão da cadeia de abastecimento verde e as práticas de desenvolvimento de produtos verdes variam muito entre os diferentes tipos de empresas.
Uma das descobertas mais surpreendentes deste estudo é que o “efeito família”, amplamente citado pela bibliografia de empresas familiares, não é uma constante no seio das próprias empresas familiares. De facto, a heterogeneidade das empresas familiares excede a de suas contrapartes não familiares em todo o espectro, mostrando equivalência entre os exemplos mais abastados mas inferioridade entre os mais pobres.
Em relação a uma lista de critérios, incluindo prevenção da poluição, gestão da cadeia de abastecimento verde e práticas de desenvolvimento de produtos verdes entre as empresas incluídas na amostra longitudinal, o efeito negativo da influência familiar nas práticas de gestão ambiental foi reduzido para empresas familiares mais antigas e menores e aquelas com investidores mais independentes e institucionais. Além disso, a magnitude do efeito depende do tipo de empresa, do contexto industrial, do tipo de economia e das fases do ciclo económico.
Razões estruturais para a superior gestão ambiental das empresas familiares
Face ao exposto, é uma questão em aberto se as empresas familiares têm maior propensão para adotar práticas verdes do que as empresas não familiares. Diferentes lentes conceituais sugerem diferentes perspetivas sobre o papel da propriedade familiar nesse sentido. Considerando a perspetiva da riqueza socio-emocional, os gestores familiares tendem a atribuir alta prioridade a objetivos não financeiros “como identidade, longevidade, extensão de recursos e preservação de uma imagem e reputação familiar positivas”. Neste quadro, a adoção de práticas amigas do ambiente poderia ser uma forma de criar alinhamento com as expectativas sociais e conquistar estatuto social na comunidade Além disso, os gestores familiares podem ser vistos como guardiões da empresa, tenderão a fazer investimentos a longo prazo e estarão mais inclinados a prosseguir preocupações mais vastas onde a preservação do ambiente teria uma posição naturalmente protagonista.
Acresce que há de facto duas razões principais pelas quais as empresas familiares são particularmente interessantes em termos das suas práticas de gestão ambiental: em primeiro lugar, os seus objetivos não económicos moldam as suas decisões estratégicas mais do que no caso das empresas não familiares. Isso pode levar a práticas de gestão ambiental de calibre claramente superior. Em segundo lugar, em larga medida fruto da nociva introdução do conceito ESG a que fiz referência atrás, o estudo e reporte de práticas ambientais na maior parte das empresas familiares tem sido cada vez mais “afogado” pela governação e pelo desempenho social e financeiro dessas empresas, conceitos que os seus acionistas acham hoje que são mais importantes para a sua imagem de gestão profissional do que as práticas ambientais. Esta regressão de mentalidade deve ser combatida: quando os investimentos em práticas de gestão ambiental atingem mais de 600 biliões de Euros anuais em todo o mundo é essencial manter o ambiente no topo da agenda, compreendendo e partilhando as diferenças entre as práticas ambientais.
Em suma, as práticas de desenvolvimento ambiental no quadro dos atributos típicos próprios das empresas familiares conduzem a um nível de atenção e envolvimento superior com as expectativas de várias partes interessadas, incluindo clientes, fornecedores, organizações não-governamentais, reguladores e comunidades. As empresas familiares têm de facto níveis de preocupação ambiental e práticas de gestão ambiental de nível superior – e isso deve ser incentivado aplaudindo e estimulando o trabalho que estão a fazer e não as “afogando” na obrigação de mudar mentalidades em direção a conceitos complexos e híbridos como o famigerado ESG que só os vai desfocar do bom caminho que sempre têm procurado trilhar.
Práticas generalizadas de gestão ambiental nas empresas familiares
Da prevenção da poluição às práticas de gestão da cadeia de abastecimento verde, a superioridade das empresas familiares mais amigas do ambiente manifestam-se frequentemente através de diferenças subtis nas suas motivações e ações relativamente à preservação e proteção do meio ambiente. Para estas empresas, a decisão de adotar energia solar prende-se também com o aumento da eficiência energética e redução de custos, avaliações de mercado mais elevadas. As práticas de desenvolvimento de produtos verdes permitem ainda que essas empresas se envolvam melhor e atendam às expectativas de várias partes interessadas, incluindo clientes, fornecedores, organizações não governamentais, reguladores e comunidades.
Podem esforçar-se por ser mais responsáveis do ponto de vista ambiental, principalmente para preservar a sua reputação pessoal e pública, que são cruciais para o sucesso do seu negócio. E, como muitos estão invulgarmente inseridos e ligados aos seus mercados e comunidades locais, podem formar relações a mais longo prazo com as partes interessadas, facilitando assim uma abordagem de parceria e tornando mais difícil ignorar os seus impactos ambientais mais amplos. Ao fazê-lo, podem criar novas oportunidades de crescimento, que vão desde a descoberta de novas tecnologias até à abertura de novos mercados.
Numa nota menos positiva, outras empresas familiares podem tender a negligenciar as práticas de gestão ambiental adotando uma abordagem excessivamente cautelosa para gastos em “projetos verdes” que não contribuam a valorização da empresa. Outro fator é a prevalência de nepotismo, favoritismo e conselhos dominados por familiares acionistas, cujas preocupações podem travar a adoção de soluções tecnológicas intensivas em investimentos para problemas ambientais. No entanto, a forma como empresas familiares abordam e ultrapassam estes problemas vão sempre constituir-se como lições valiosas mesmo pra as não familiares.
A qualidade da gestão ambiental em Portugal nas empresas familiares: Quatro casos de boas práticas no setor agroflorestal
As práticas de gestão ambiental que hoje observamos em Portugal são um excelente pretexto para isolar casos inspiradores e contribuir para a sua disseminação e opção generalizada. Aqui, o papel dos grupos e empresas familiares destaca-se claramente quanto mais não seja pela preponderância que têm nos setores mais importantes para a defesa do ambiente – em particular a fileira agroflorestal. Escolhemos alguns dentre centenas para poder ilustrar que de facto, na sua maioria, as empresas familiares estão mais “verdes”
A Delta Cafés tem sido reconhecida pelo seu compromisso na sustentabilidade e nas boas práticas ambientais. Dentre os vários prémios e galardões recebidos, foi distinguida com uma estrela no âmbito do projeto Lean&Green da GS1 Portugal graças à redução de 24% nas emissões de CO2 decorrentes da respetiva operação logística, reduzindo significativamente a sua pegada carbónica.
Como acontece com a maior parte das empresas do seu setor, a Sogrape é um caso em que a a proteção ambiental está há muito no topo da agenda do Grupo. Aliás, Bernardo Brito e Faro diz mesmo que esta preocupação está na base do seu “corpo estratégico” – entre vários projetos em curso, as principais preocupações estão relacionadas com a redução do consumo de água na vinha e da quantidade de fertilizantes e tratamentos fitossanitários. “Tudo isto envolve investimentos muito elevados. Se nós somos muito pequeninos e estamos a fazer este esforço, é importante que este esforço seja feito por todos”, remata.
A Navigator, uma das maiores empresas de produção de pasta e papel a nível mundial, considera que faz parte da sua responsabilidade ambiental reforçar a eco-eficiência dos processos produtivos, tendo em vista a minimização dos seus impactos ambientais. Este esforço está expresso na redução da utilização de recursos naturais e do nível de emissões registado. As sucessivas melhorias no processo produtivo têm-se traduzido em resultados muito importantes: na redução dos consumos de água por tonelada de produto produzidos, no aumento da utilização de energia renovável, na diminuição do consumo de combustíveis fósseis, na redução das emissões de CO2 por tonelada de produto e na melhoria na gestão de resíduos. O Grupo venceu a categoria Inovação em Grandes Empresas, do Prémio Nacional de Inovação, com o conceito “From Fossil to Forest”, uma iniciativa que gerou três patentes em 2022. Por outro lado, o Grupo introduziu uma nova gama de produtos de embalagem KRAFT que garante a redução do recurso a materiais de origem fóssil, como é o caso da generalidade do plástico, optando por materiais de base renovável e biodegradável a partir da floresta.
A Corticeira Amorim, referiu numa conferência recente, através de uma Administradora, que “a estratégia ESG não é separada da estratégia corporativa” e esse é, assegura, um dos ingredientes para o sucesso da evolução do Grupo. Apesar deste caminho no grupo empresarial ter começado há vários anos, Cristina Amorim lembra que o trabalho é contínuo, exige permanente adaptação e, sobretudo, implica “um alinhamento muito estreito” com os acionistas. “Somos desafiados permanentemente para fazer mais e melhor”, acrescenta. Sem dúvida interessante – mas estamos perante um caso onde parece que a referência e enaltecimento das práticas ambientais do Grupo acaba algo diluída pelo conceito ESG e secundarizada pelas dimensões de Sustentabilidade e Governação. Não obstante o Grupo ter um posicionamento ambiental muito sólido, a ausência de individualização do ambiente acaba infelizmente diluído no discurso mais hermético e complexo de ESG que, como referi, não considero um conceito virtuoso.
A Carnes Landeiro é uma média empresa de segunda geração de Famalicão com uma visão sofisticada do seu compromisso ambiental, sobretudo estando focada na área de produção de carne fresca, sempre vista como preocupação por muitos círculos sociais – sobretudo na América do Sul. A empresa está profundamente sensibilizada para as problemáticas ambientais e, nessa medida, privilegia a utilização de equipamentos de tecnologia inovadora e a adoção das melhores práticas disponíveis a nível internacional para o setor visando reduzir cada vez mais as emissões de dióxido de carbono.
Unir esforços para proteger a cultura de tomate indústria: Um caso exemplar
Terminamos com um quinto caso – o Consórcio TOMAC que merece um destaque particular na área agrícola por reunir o esforço conjunto de várias empresas sobretudo familiares. De facto, a natureza intensa, ambiciosa e colaborativa do projeto, a importância da componente de gestão ambiental e o detalhe partilhado sobre as melhores práticas aplicadas merece claramente que nos alonguemos um pouco mais sobre este caso. Sobretudo quando sabemos serem tão raros em Portugal os projetos de colaboração multi-instituicional de envergadura.
Integrando o Grupo Sugal, o Grupo Sogepoc, a Syngenta, o MED-UÉvora e a APOSOLO, o programa visa potenciar o desenvolvimento sustentável e competitivo do setor do tomate indústria, pela via da inovação, demonstração e difusão de conhecimento técnico e científico. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido sobre centenas de hectares de tomate na Lezíria do Tejo já demonstrou o potencial da aplicação dos três princípios da Agricultura de Conservação plenamente assumidos pelo Consórcio : mínima perturbação do solo, cobertura permanente do solo com plantas ou resíduos e maior rotação e diversidade de culturas – na melhoria da sustentabilidade agronómica, ambiental e económica do sistema de produção de tomate de indústria. E globalmente, a aplicação dos princípios da Agricultura de Conservação originou um aumento da produtividade de tomate comercializável de 17 a 35 t/ha face ao sistema convencional com superior rentabilidade.
“Portugal produz tomate indústria em monocultura há mais de 20 anos, e com isso surgiram problemas que nos estão a dificultar o maneio da cultura. Através do projeto TomAC procuramos novas soluções, uma visão mais holística sobre a cultura e um olhar mais atento ao solo, que é o nosso maior ativo”, afirma Pedro Pinho, consultor agrícola do grupo Sogepoc.
Existe na TOMAC a consciência clara de que a Agricultura de Conservação é um tema fulcral face às alterações climáticas constantes, à escassez de recursos, e às imposições políticas agrícolas que nos obrigam a olhar de forma diferente para as nossas culturas. “Este projeto reúne um conjunto de possíveis soluções para estes desafios, sejam eles a nível de melhoria da qualidade e estrutura do solo, redução de operações e acima de tudo procurar alternativas sustentáveis na prática da cultura do tomate de indústria que nos permitam de forma eficiente aproveitar ao máximo os nossos recursos”, afirma Ana Casimiro, do Grupo Sugal
“A grande conquista é regenerar e preservar o solo, trabalhando com outro tipo de ferramentas, e assim reduzir o impacto crescente das infestantes, pragas e doenças, que têm sido mais difíceis de controlar, sobretudo quando os agricultores têm de ser cada vez mais eficientes na utilização dos produtos fitofarmacêuticos e fertilizantes convencionais, pela falta de soluções disponíveis para a cultura do tomate, ou por imposição das novas medidas do PEPAC”, explica a responsável da Syngenta. “Os resultados do projeto permitem concluir que, com algumas práticas da Agricultura de Conservação, nomeadamente a rotação e as culturas de cobertura, os resultados da cultura do tomate são melhores e os benefícios para o solo são muito positivos”, afirma Gabriela Cruz, presidente da APOSOLO.
É o momento de responder à questão inicial: As empresas familiares a ficar mais verdes ou não?
Não obstante a perda de protagonismo de uma verdadeira agenda ambiental em algumas empresas, fruto em boa medida do “efeito” ESG, a evidência de vários trabalhos de investigação demonstra claramente que entre todas as empresas com práticas de gestão ambiental sólidas e bem explícitas, as empresas familiares estão normalmente à frente em relação às suas contrapartes não familiares.
Para não tornar este texto demasiado longo, focámo-nos sobre alguns dos maiores grupos familiares nacionais da fileira agroflorestal e é possível ver, mesmo que seja por trás da “cortina ESG”, que existe uma preocupação forte e crescente com o ambiente – na sua proteção, no seu fortalecimento e no alinhamento com o desenvolvimento do negócio. os casos Delta Cafés, Navigator ou em particular do consórcio TOMAC não deixam lugar a duvidas.
A este facto não é obviamente alheio o superior alinhamento entre os requisitos de boa gestão ambiental e os atributos distintivos dos Grupos Empresariais Familiares : a visão de longo prazo, o profundo compromisso com o negócio ou a preservação do legado e dos seus valores são travões eficazes sobre os ímpetos de má exploração dos ativos que tantas vezes se observam em grupos não familiares. Os Grupos Familiares têm de facto condições e práticas superiores para integrar o ambiente numa forma virtuosa de ver o Mundo, um Mundo que se pretende legar á próxima geração em condições pelo menos tão boas como foi legado à nossa.
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