Fernanda Câncio: recuso-me a ser esquerdista por defeito
Ao contrário da jornalista Fernanda Câncio, tenho para comigo que todas as organizações (religiosas ou não) têm o direito a manifestar a sua opinião e a pressionar o poder político e opinião pública.
A jornalista Fernanda Câncio dedica a sua prosa semanal no DN a bater na Igreja Católica. Diz a jornalista que “é uma característica das religiões, esta ideia de que têm o direito de se impor a quem não as segue”. Referindo inclusive que o facto do Presidente da República adiar a discussão sobre a Eutanásia é um ato de “proselitismo religioso” e de “ausência de respeito pela Constituição”.
Ao contrário da jornalista Fernanda Câncio, tenho para comigo que todas as organizações (religiosas ou não) têm o direito a manifestar a sua opinião e a pressionar o poder político e a opinião pública, para as escolhas que acham mais corretas. Logo, a igreja e os seus representantes não podem ser destituídos deste direito.
Podemos, no entanto, discutir: terá a Igreja Católica um peso na sociedade portuguesa que justifique ser ouvida pelo Estado e pelos seus organismos? A este respeito, o Observador noticiou em 2015 um estudo do IPAM, em que é referido que 9 em cada 10 portugueses têm uma preferência religiosa, sendo que dos inquiridos que têm uma religião 97,1% dizem-se católicos. Ainda sobre este domínio, o Público noticiou em 2010, um estudo menos otimista da Universidade Católica Portuguesa, onde se refere que 79,5% dos portugueses são católicos e que 31,7% dos portugueses vão à missa pelo menos uma vez por semana. Não serão estes números esmagadores o suficiente, para provarem a necessidade da Igreja ser ouvida?
Mas numa coisa concordo com Fernanda Câncio: uma fação da sociedade não tem o direito de impor à maioria dos cidadãos a sua vontade. É por este motivo que acredito que os temas socialmente faturantes, ou como a jornalista refere as “escolhas do domínio da ética”, devem ser decididas por todos. Ou seja, através de referendo, tal como aconteceu com a Interrupção Voluntária da Gravidez. Isto porque nunca uma minoria deveria ter o poder de sobrepor o seu interesse ao da maioria. Certo? Não é isso que significa ser de esquerda?
Mas quando chega à hora de dar a palavra ao povo, a esquerda normalmente encolhe-se e gosta de disparar um dos argumentos mais falaciosos do jogo democrático: “os direitos não se referendam”. O tanas é que não! O povo afinal não é soberano? Foi à conta desta retórica que os partidos de esquerda têm conseguido, na maioria das vezes à pressa e atabalhoadamente, fazer passar na Assembleia da República diplomas sobre os temas que dividem a sociedade. Socorrendo-se sempre da falácia de que “estes temas só dizem respeito a quem é afectado por eles” – o que é imperativamente mentira, se partimos do princípio de que todos vivemos em sociedade e de que as transformações que se operam na mesma dizem respeito a todos.
Em suma, percebo que a Fernanda Câncio não queira ser tratada como “católica por defeito”. Mas eu também não quero ser tratado como “esquerdista por defeito”. É por isso que sobre o tema da Eutanásia, peço algo muito simples: deixem o povo decidir através de referendo, ao contrário do que fizeram com os outros temas fraturantes.
Afinal, não é para isto que os referendos existem?
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