Ficando para trás, o quarto de século socialista

Portugal é latino mas tem impostos superiores aos escandinavos e não cresce de forma sustentada porque tem uma fiscalidade que asfixia o sucesso. É o quarto de século socialista.

No livro “Ficando Para Trás”, Francis Fukuyama reúne um grupo de especialistas de diferentes áreas para tentar compreender as razões do atraso dos países da América Latina para com os EUA, quando partiram de situações equivalentes há apenas 250 anos. Talvez seja altura de entender porque é que nos últimos 25 anos Portugal também está “ficando para trás”, sendo ultrapassado na Europa por países que no início deste período estavam em situações muito piores que a nossa.

Nos últimos 25 anos da nossa democracia, o Partido Socialista esteve sempre no poder excepto em dois momentos, os períodos do pântano e da troika. O pântano surgiu na sequência de seis anos de governos de António Guterres. Em 1995, ano em que Guterres tomou posse, a despesa corrente das Administrações Públicas foi de 33,3 mil milhões de euros. Em 2002, ano em que o Governo caiu, esse número tinha crescido para 55,2 mil milhões (Fonte). Um crescimento de 65%, uma média de 7,5% ao ano, numa altura em que Portugal se preparava para entrar no Euro, tendo já prescindido do total controle da sua moeda. 10 anos mais tarde, a troika entrou em Portugal na sequência da gestão de José Sócrates, dos défices anuais de 20 bi e do estado de pré-bancarrota em que Portugal tinha caído.

Com 18 anos acumulados no poder, não será grande o erro no diagnóstico se baptizarmos os últimos 25 anos como o Quarto de Século Socialista.

Neste Quarto de Século Socialista, comparando Rendimentos per Capita em Paridades de Poder de Compra, Portugal foi ultrapassado por Malta, República Checa, Eslovénia, Estónia, Eslováquia e até pela Lituânia. A Lituânia que em 1995 tinha um PIBpc que era apenas 40% do português, só necessitou de pouco mais de duas décadas para nos suplantar. Quando terminar esta legislatura, é muito provável que tenhamos sido ultrapassados também pela Letónia e pela Polónia.

Em 1995, dos actuais 28 países da EU, 12 estavam atrás de Portugal. Neste Quarto de Século Socialista, todos esses 12 países convergiram com a média europeia. Portugal divergiu. Neste Quarto de Século Socialista apenas a Grécia fez pior que nós.

Neste Quarto de Século Socialista, expulsámos as nossas melhores holdings para a Holanda, deixámos que os nossos fundos sejam investidos a partir do Luxemburgo e assistimos passivamente às grandes multinacionais a ignorarem sistematicamente Portugal como possibilidade para instalarem as suas sedes europeias. Neste Quarto de Século Socialista permitimos que muitos dos nossos melhores e mais promissores quadros emigrassem para qualquer lugar onde o mérito seja mais reconhecido.

Neste Quarto de Século Socialista nasceram, cresceram e multiplicaram-se impostos, taxas e taxinhas, escoltados por uma máquina fiscal implacável, que avançou como um tsunami sobre a economia, sem grande consideração pelos contribuintes e plantando obstáculos a quem tenta criar riqueza.

As empresas portuguesas, principalmente as empresas que têm sucesso, são das mais penalizadas da Europa. Veja-se este mapa publicado pela Tax Foundation em que Portugal aparece, como sempre, no fim da tabela. Somos o 26º país em 27, nesta comparação de impostos sobre lucros de empresas na OCDE. Só as também estagnadas Alemanha, Grécia e Itália estão próximas de nós, só a França está pior que nós.

Como se não bastasse o nível elevado de muitos impostos sobre as empresas, Portugal, de acordo com o Banco Mundial, é um dos países da UE onde estas são forçadas a desperdiçar mais tempo e recursos apenas para cumprir com a burocracia fiscal imposta pela administração do estado. Na EU-28, há apenas 3 países em que a burocracia para pagar impostos suplanta a nossa. Todos eles são herdeiros de algumas das mais kafkianas burocracias da antiga Europa de Leste: Polónia, Bulgária e Hungria. Entre os países onde as empresas são menos esmagadas pela máquina fiscal, estão alguns dos de grande crescimento, como a Irlanda e a Estónia, que juntam a uma fiscalidade reduzida a simplicidade administrativa.

A cultura de penalização do sucesso não agride apenas as empresas e é também observável nos impostos sobre os rendimentos dos cidadãos. Embora não seja fácil comparar taxas de imposto devido às regras e deduções específicas de cada país, olhemos para as taxas marginais máximas de impostos equivalentes ao IRS da EU-28. Não será surpresa para alguém saber que Portugal está uma vez mais no fim da tabela, ombreando com alguns dos mais ricos países do clube dos impostos altos.

Regularmente, ouvimos da parte de alguns comentadores e cronistas, defensores de uma maior intervenção do estado na economia, a afirmação de que os impostos em Portugal não são altos. Têm razão. São altíssimos. A sugestão de que outros países da Europa têm cargas fiscais maiores baseia-se num truque: comparar taxas de impostos para níveis de rendimento diferentes.

A mediana no escalão máximo de IRS na EU-28 é de 45%. Um exercício interessante será perceber a partir de que montante de rendimento é que esse escalão é atingido. Excluindo a Bélgica, uma vez que os escalões se aplicam ao rendimento deduzido dos descontos para a Segurança Social, o país onde se atinge mais cedo a taxa de imposto de 45% é, sem surpresa, Portugal. E o segundo, sem surpresa também, a Grécia.

Ressalve-se que há regras diferentes de deduções que podem tornar as comparações arriscadas, embora neste caso não haja grande perigo de erro. Portugal é também um dos países onde há menos deduções à matéria colectável.

Apesar das evidências, para quem defende este estado de coisas a culpa das dificuldades de Portugal é sempre de outros. São a Irlanda, a Holanda, a Estónia que estão mal. E por isso o governo actual escreve no seu programa a intenção de propor à União Europeia o fim da concorrência fiscal entre Estados-membros. É um sinal claro de que o governo não pretende, em nenhuma situação, aprender com os melhores, seguir o exemplo dos países da EU que conseguiram crescimentos invejáveis, que nos ultrapassaram e se afastam de nós. Bem pelo contrário. O que se pretende é obrigá-los a imitar as nossas políticas de estagnação, exigindo que sejam eles a adotar regimes fiscais tão ruinosos e tão castigadores dos contribuintes como os nossos.

É assim em tudo. Envergonhados com as comparações, procuramos sempre igualar por baixo. As escolas em contrato de associação conseguiam melhores resultados que as escolas públicas na mesma região? Acabam-se com as escolas em contrato de associação. Os hospitais do SNS em regime PPP são melhores e mais económicos que os Hospitais EPE? Acabam-se os hospitais PPP. O sucesso é um mal que deve ser penalizado e o nivelamento acaba sempre por ser feito por baixo.

Neste Quarto de Século Socialista a carga fiscal, que no fim do período cavaquista estava ainda abaixo dos 30%, foi crescendo sempre, a golpes de défice e orçamento. Suportámos em 2018 a mais alta carga fiscal de sempre. Tudo indica que em 2020 esse recorde será novamente batido.

Por muitos discursos, muitos estudos “científicos” e muitos artigos de jornal que ignorem, propositadamente, a ligação entre o nível de impostos e o crescimento económico, a correlação é absolutamente evidente. Todos os gráficos mostrados neste artigo apontam na mesma direção. Crescem mais os países com fiscalidade menos abusiva e menos burocrática.

E, para não esquecer o mundo globalizado em que vivemos, saiba-se que fora da Europa há apenas meia dúzia de países com carga fiscal superior à nossa e não são exactamente protótipos do país que queremos ser. São países como o Afeganistão, a Suazilândia ou o Lesoto.

A situação de estagnação prolongada a que Portugal tem estado sujeito não parece ser suficiente para acordar a população ou o governo para o país medíocre que estamos a deixar aos nossos filhos.

Os orçamentos de estado, no Quarto de Século Socialista, são quase todos iguais. Aumentam-se uns quantos impostos, aumenta-se sempre a despesa pública, distribuem-se alguns milhões adicionais para alguns ministérios como resposta à pressão mediática, às causas do momento ou à necessidade de satisfazer alguns grupos de interesse. Geralmente, anunciam-se 2 ou 3 “medidinhas” aparentemente bem intencionadas de combate à fuga fiscal e à corrupção e inventa-se uma taxa de inflação futura para iludir sindicatos e permitir aumentar o encaixe com o IRS de forma mais ou menos imperceptível para a maioria da população.

Não há uma única alteração estrutural com impacto positivo a longo prazo. Bem pelo contrário, segue-se a velha máxima de Reagan sobre a forma de olhar para a actividade económica: “If it moves, tax it. If it keeps moving, regulate it. And if it stops subsidize it”. O alojamento local estava a mexer? Mais impostos. O desemprego continua a baixar? Novas leis laborais, mais restritivas. Os transportes públicos estavam em queda? Mais subsídios.

A incoerência sobre a forma com que se apresentam medidas fiscais é permanente. Aumentam-se impostos sobre combustíveis, bebidas açucaradas, tabaco ou alojamento local com o objetivo declarado de diminuir a procura. Aumentam-se impostos sobre toda a economia, e argumenta-se acaloradamente, que esses aumentos não afectam negativamente o crescimento.

Em resumo, Portugal é latino mas tem impostos superiores aos escandinavos. É pobre com impostos de rico. E não cresce de forma sustentada, entre outros motivos, porque tem uma fiscalidade que asfixia o sucesso. Temos excesso de socialismo e escassez de liberalismo. A consequência do Quarto de Século Socialista é o Portugal medíocre, estagnado, na cauda da Europa e sem futuro que as futuras gerações vão herdar.

Resta saber até quando continuaremos neste caminho.

*Este artigo foi escrito segundo o antigo acordo ortográfico por opção do autor.

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