Fumos & fantasia
O Governo tem uma abordagem da política e do País que pode ser classificada de “ecocêntrica”. Definindo o seu próprio ecossistema político e partidário, o Executivo existe à revelia do País.
O Ministro das Finanças tem um novo Consultor que é um velho amigo. Entre televisões, comentários, ajustes directos e derrotas eleitorais, o fracasso político em Portugal é recompensado com Ministérios. A incompetência não é entrave à promoção política e as novas oportunidades florescem na floresta queimada de um País abandonado. O novo Consultor já contratou o Ministro, agora é a vez de o Ministro contratar o antigo Director. A amizade é sempre comovente e o sucesso das políticas públicas vai crescer exponencialmente ao ritmo da urgência nacional. Este círculo concêntrico na rotação dos favores é típico de uma ditadura ou de uma democracia iliberal. Forma-se uma clique fechada onde impera o interesse pessoal e a confiança política. Cria-se uma administração política paralela à administração pública. Define-se uma elite desfasada do País porque não serve o País para se poder servir de Portugal. Se o PS é o dono do Regime, onde fica a Ética da República? Não fica.
O Primeiro-Ministro faz então uma aparição milagrosa em visita ao deserto nacional onde ensaia uma conferência de imprensa em que fala de tudo para não ter de falar de nada. O estilo tem a típica demagogia de uma rentrée. Sobre a contratação do Consultor nada há a explicar pois existe a completa autonomia de um Ministro para gerir o seu Gabinete. Conversa acabada e assunto encerrado.
Pela fantástica teoria do Primeiro-Ministro, Portugal não tem um Governo mas sim uma constelação de Ministérios que descrevem órbitas internas específicas de cada Ministro. Uma vez por semana reúnem-se para se cumprimentarem e acertarem o discurso oficial, definirem o silêncio oficial, tudo de acordo com a avaliação de um Consultor do Primeiro-Ministro especialista em Comunicação Institucional. No fundo o Governo não executa políticas, apenas gere estratégias comunicacionais. O Governo é como uma Companhia de Teatro, o expoente do burlesco, o labirinto de um tango. Com o caos instalado no Ministério da Saúde, os portugueses iam gostar de ver como Consultores da Ministra os Doutores Palhaços. É a política do Nariz Vermelho. De vergonha.
Nesta lógica planetária ou institucional na orgânica do Governo percebe-se com toda a naturalidade a Ministra da Agricultura. Com o País em chamas e em seca, e perante as reivindicações dos responsáveis da CAP face à falta de apoios e de políticas públicas, a Ministra da Agricultura justifica-se com o argumento de que a organização não apoiou o PS nas últimas legislativas. Perfeitamente normal na órbita paralela da Agricultura, pois convém relembrar que esta é a mesma Ministra que, quando surgiram os primeiros casos de Covid na China, veio declarar publicamente que esse seria um facto conjuntural que poderia até beneficiar o comércio, as exportações, enfim, a Economia Nacional no contexto Global. O que é fantástico é que a Ministra ainda tutela a Agricultura a partir de uma elipse política esdrúxula que reflecte as tonalidades de Marte e uma admirável inteligência política. Neste caso, o Ministério da Agricultura só apoia os cidadãos que declaram oficialmente ter votado no PS – não é um Ministério da República é uma Repartição do Caciquismo do PS. Entre vacas socialistas e ovelhas do PS, a Ministra da Agricultura devia contratar um Consultor vocacionado para o desenvolvimento da Fileira da Canábis antecipando o esforço de reconstrução da Ucrânia a partir da central nuclear de Zaporijia. Eis uma política patriótica, progressista, socialista.
O Governo tem uma abordagem da política e do País que pode ser classificada de “ecocêntrica”. Definindo o seu próprio ecossistema político e partidário, o Executivo existe à revelia do País, suportando-se sempre e exclusivamente na posição dominante de uma Maioria Absoluta. E a Maioria Absoluta apenas parece servir para proteger a inconsistência política de um Governo que é um somatório de pequenos e grandes egos liderado pelo Ego Alfa do Primeiro-Ministro. Um Governo que não está interessado em fazer mas apenas em dizer que vai fazer – o controle da inflacção, cobrar impostos sobre os “lucros excessivos ou imprevistos”, construir um gasoduto pela Europa até à Alemanha, combater os incêndios com aviões que só chegam em 2024, implementar um plano de poupança energética que não está feito nem pensado, assegurar a transição energética com hidrogénio verde para maravilha e espanto da Europa. O discurso do Executivo é um elenco de fantasias em loop numa câmara de eco. Os portugueses vivem intoxicados com a visão de um Governo que é uma sobreposição de fragmentos.
Este Governo não é optimista nem é pessimista, mas falta-lhe sobretudo a coragem para imaginar uma alternativa política. Falta-lhe a coragem para enfrentar e para pensar a realidade até às últimas consequências possíveis e imaginárias. Incapaz da imaginação política refugia-se na conformidade ideológica como factor de protecção relativamente às consequências imprevistas de um futuro em aberto. Incapaz de pensar os detalhes de uma alternativa política, o Governo refugia-se no fétiche confortável de não se concentrar nos detalhes de uma realidade política complexa.
E assim o Governo passeia-se pelas cidades em carros eléctricos pintados com girassóis enquanto o corpo de segurança de cada Ministro se faz transportar num carro movido a combustível fóssil. Estranha neutralidade carbónica.
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