Gestão do risco jurídico: Um diálogo necessário, entre gestores e advogados
Leia aqui o artigo de opinião do sócio da Uría Menéndez - Proença de Carvalho, Alexandre Mota Pinto, sobre a gestão do risco jurídico.
Recentemente, um gestor, injustamente alvo de uma acusação num processo contraordenacional, confessava-me que só agora se tinha apercebido dos enormes riscos legais ou jurídicos que enfrentava, na sua atividade de gestão, e dava a imagem de um campo de ténis, para ilustrar esses riscos: pensava que desenvolvia a sua atividade, num quadro legal com regras absolutamente certas, com linhas exatas a definirem os limites do campo de jogo, mas tinha percebido, agora, que as linhas eram móveis e incertas, a bola podia ir fora, apesar de, num campo de linhas certas e imóveis, ter caído dentro…
De facto, nos últimos vinte e cinco anos, assistimos a uma evolução do sistema jurídico e judicial, de um fator de ordem e estabilidade para gestores e empresários, para um fator de grande incerteza e risco, nas respetivas atividades.
A análise de inquéritos recentes a executivos e leaders empresariais mostra que estes veem o risco jurídico como um dos maiores riscos e até ameaças para a sua atividade, a impor a necessidade de uma resposta estratégica, através de uma gestão adequada deste tipo de risco.
A enorme complexidade e desordem dos sistemas jurídicos modernos tem inúmeras causas, como por exemplo: os múltiplos níveis e espaços de regulamentação (nacional, de países estrangeiros, europeia e internacional) e decisão, não apenas judicial, mas também administrativa, com as decisões de autoridades administrativas, a produzirem, tantas vezes, efeitos definitivos sobre a vida das empresas e dos gestores, pela impossibilidade de estes as contrariarem tempestivamente; o surgimento de diferentes e novas regras e conceitos jurídicos, como por exemplo, a denominada “business judgement rule”, na responsabilidade civil dos administradores ou a noção de beneficiário efetivo, na regulamentação da prevenção do branqueamento de capitais; a crescente influência das convicções pessoais e políticas dos aplicadores do direito, nas respetivas decisões, com o recurso a conceitos imprecisos ou cláusulas gerais, como por exemplo, a resolução de contratos de financiamento, por alteração de circunstâncias, em contextos de crise; ou, a emergência de novas formas de regulamentação como o “soft law”, por exemplo, os códigos de governo e a crescente responsabilidade social das empresas.
Deparamo-nos, todos os dias, com manifestações visíveis desta crescente imprevisibilidade do risco jurídico, que as empresas e os gestores têm de enfrentar: a concretização de riscos jurídicos, através de meios totalmente distintos dos processos judiciais tradicionais, que operam de acordo com padrões de irracionalidade, envolvendo o recurso ao espaço mediático, acusações e humilhações públicas (“naming” ou “shaming”) e a manipulação de emoções e reações do mercado, tendo como elemento definidor a total ausência de um processo judicial justo; o crescimento enorme das leis e regulamentos e dos respetivos custos para as empresas (de acordo com algumas estimativas, os custos dos encargos regulatórios para a atividade empresarial, em economias desenvolvidas, ascende a cerca de 10% do PIB); o aumento do poder e protagonismo de alguns agentes do sistema, por exemplo, com o fenómeno dos juízes-estrela ou a avaliação mediática de presidentes de entidades reguladoras, com as habituais setas para cima ou para baixo, em função da maior ou menor coima que as entidades a que presidem tiverem acabado de aplicar.
Esta crescente imprevisibilidade e o impacto que pode ter na atividade das empresas exigem uma visão abrangente e uma adequada estratégia de gestão do risco jurídico, muito mais ampla do que no mero risco de compliance. A tarefa de identificação, avaliação e gestão do risco jurídico é uma importante tarefa de gestão, que exorbita o aspeto puramente técnico-jurídico das questões com que os gestores são confrontados na sua atividade e deve atender à enorme relevância de fatores extra jurídicos, que influenciam a aplicação e a utilização do direito, na vida real das empresas, como, por exemplo, motivos de pragmatismo, grupos de pressão, o sentimento público, o risco de mediatização de questões jurídicas, as ambições pessoais ou profissionais dos vários aplicadores do direito, etc.
Só um diálogo próximo, entre advogados e gestores, permitirá desenvolver um sistema adequado e eficaz de gestão estratégica do risco jurídico das empresas.
*Alexandre Mota Pinto é sócio da Uría Menéndez – Proença de Carvalho.
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