Heaven is a place on earth
Freddie Mercury nasceu em Zanzibar. Na altura das fraldas chamava-se Farok e se não fosse aquele vozeirão provavelmente ainda ia andar por aqui a chatear a turistada.
Sim, o Freddie foi Made in Heaven, Zanzibar é o céu de hindus e muçulmanos, os cristãos também não dizem que não. Uma ilha das Mil e Uma Noites com preços a condizer.
Mas o melhor de Zanzibar nem sequer são as praias absolutamente perfeitas. É a cidade absolutamente caótica que recebe os enjoados mas excitados viajantes que saem do ferry.
Stone Town é uma Alfama plana, cinzenta em vez de branca, rodeada pelo mar mais transparente.
Italo Calvino, escreveu uma cidade invisível criada por homens que uma noite sonharam que perseguiam uma linda mulher. Como a mulher escapava sempre, os homens fizeram das ruas um labirinto para ver se a apanhavam. Assim é Stone Town, uma ratoeira de gente e não há viajante que que não a odeie antes de a amar intensamente.
As lendas e os guias concordam, esta é a cidade mais fascinante a Sul do Sahara e eu e o Freddie assinamos por baixo “Its a kind of heaven”. Se ao menos não houvesse aquele problemazito…
Eu confesso, há uma situação em África que me tira do sério e em Stone Town não há como contorná-la. A praga chama-se Tout. Ora um Tout é um desgraçado com uma lata do tamanho do Kilimanjaro que decide fazer dinheiro à tua conta. Em Moçambique e no Malawi sempre que precisávamos de apanhar um autocarro, estes personagens esfarrapados alapavam-se a nós e iam vender-nos ao condutor mais próximo. O condutor pagava ao Tout e cobrava-nos o dobro para compensar a transação. Além da inflação, o problema é que os Touts são às dezenas. Além de meterem medo são mais difíceis de enxotar que moscas no Verão.
Quando o fascinado viajante chega a Stone Town, embasbacado com as intrincadas fachadas mouriscas e o cantar das medinas árabes, não há Tout que não o queira vender ao hotel, restaurante ou daladala (autocarro) mais próximo. É muito raro ver turistas sem um séquito de chupa-notas. E nem meses de África nos ensinaram a evitá-los. O truque é contratar um deles para afugentar os demais. Mais vale um Tout à perna, que vinte a chatear.
Claro que aqui, como em Alfama, a melhor coisa a fazer é perder o rumo. Descobrir que afinal o melhor e mais delicioso restaurante (Lukkman), fica ao lado da madrassa, a dois passos do nosso hostel que fica em frente à medina verde (nunca fiquem a dormir ao pé de medinas, pela vossa alminha), que fica a um minuto do Jaws Corner, onde os velhos muçulmanos com as suas lindas Kufias (chapéuzinho) bebem bom café e jogam dominó com tampas de garrafa, que por sua vez fica ao pé dos antigos banhos turcos, a dez minutos do maravilhoso velho Dispensário, a pouco tempo dos Jardins Forodhani, onde os gatos vadios ficam com as sobras da tua Pizza-de-Zanzibar, em frente da Casa das Maravilhas, onde o relógio diz o tempo em Swahili (com 6 horas de diferença) e perceber que sem saber como, já voltamos ao mesmo sítio de onde partimos.
Aqui, todas as ruas vão dar a qualquer lado. E se não soubermos onde queremos ir, todas servem (esta não é do Freddie, é da lagarta da Alice).
Além dos Touts e da magnífica comida, temperada por dezenas de especiarias locais. Há duas coisas típicas em Zanzibar. As camas e as portas. Ambas são construídas em madeira e surpreendem pelo tamanho descomunal. Os quartos podem ser parcos em mobília mas não há dia que não tenha que saltar para subir para uma destas camas quadradas, onde cabem quatro de cada vez.
As portas ainda são mais incríveis. É por ela que começa a contrição da casa, há portas macho e portas fêmea e são o orgulho do proprietário. Podem ter escritos árabes, passagens do Corão e espigões para afastar os elefantes. Se ao menos resultassem com os Touts.
Três vezes voltei a Stone Town. Passeei a sombra por todas as ruas, vi o pôr-do-sol no Hotel África e bebi café com os velhos na praça, enquanto as crianças voltavam da escola. Nos meus ouvidos o Freddie diz que “This could be heaven for everyone”. Eu acho que já é. Só pode ser aqui.
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