Impostos dez, mercado de capitais zero

Passado um ano sobre o relatório da OCDE, há novidades sobre o Mercado de Capitais: só que em vez de promover o seu crescimento, o OE22 anuncia que teremos mais um agravamento da carga fiscal.

O título desta crónica poderia ser o resultado do jogo entre a seleção portuguesa de futebol e a seleção júnior do Liechtenstein, mas também reflete como a promoção do Mercado de Capitais é derrotada estrondosamente pela carga fiscal portuguesa.

Em cada ano, por volta do mês de outubro, dependendo do ciclo eleitoral, o Governo em funções nos últimos anos apresenta ao país a arte de, através de números inscritos em centenas de páginas, a que chamam Orçamento de Estado e Contas Gerais do Estado, demonstrar ao contribuinte Empresa, ao contribuinte Particular e a um conjunto de parceiros sociais que terá menor carga fiscal. No ano seguinte em geral, senão antes, todos se dão conta do logro quando a execução financeira do Orçamento é apresentada pois os factos garantem pouca adesão ao previsto no Orçamento, por via de uma receita fiscal superior à prevista. Nestes últimos 18 meses sem termos uma Lei de Enquadramento Orçamental aprovada conforme Ricardo Arroja já denunciou aqui em artigo publicado na ECO, a situação torna-se ainda mais distópica, já que os números podem dançar de página para página sem que nada aconteça ao (des) Governo.

No ano passado, em outubro de 2020, o Ministro Siza Vieira e o Secretário de Estado das Finanças, apresentaram, na presença da Comissária Europeia, Elisa Ferreira e de outros participantes de um ecosistema moribundo há anos, chamado Mercado de Capitais português, um relatório da OCDE, em que se destacavam um conjunto de medidas e iniciativas para dinamizar este “mercado” que não tem financiado uma Economia Portuguesa que, todos concordámos, está excessivamente endividada.

As propostas da OCDE, muito aplaudidas por muitos os que leram o relatório que a CMVM tinha promovido, deram logo lugar naquela sala do Ministério da Finanças ao célebre processo protocolar português de criação de uma Comissão de Trabalho, que passado 12 meses, nada disse, nada produziu, nada promoveu, nada concluiu. Pelo menos para o grande público e para os que ficaram de fora de tal comissão, como foi o caso da APAF- Associação Portuguesa de Analistas Financeiros. O mercado de capitais continua tão moribundo como estava, sem nenhum das propostas da OCDE implementada, ainda que o crescimento da poupança dos portugueses tenha tido um expressivo crescimento nestes últimos 12 meses.

A nossa Associação, que procura há muitos anos, perante as autoridades e agentes políticos, demonstrar as vantagens de uma maior cultura de investimento em Bolsa para a Economia Portuguesa, que seja baseada em menos financiamento Bancário, em menos dívida em geral, com mais participação de Mercado e sobretudo com mais Capitais próprios, já teve oportunidade de escrever e discursar sobre os incentivos necessários para tal. A roda já foi inventada e muitos países já legislaram em seu prol.

Estes incentivos são particularmente importantes para as empresas que procuram crescer, criar emprego e riqueza para o país como é o exemplo da Farfetch que tem um valor em Bolsa que supera várias vezes o da Sonae e que tendo as suas operações centradas em Portugal foi financiada pelo Mercado de Capitais internacional, não suportando por isso o peso de um Passivo e de uns juros que limitariam o seu crescimento.

Eis que passado um ano sobre o relatório da OCDE, há novidades sobre o Mercado de Capitais: só que em vez de serem novidades que promovam o seu crescimento, o OE22 anuncia que teremos mais um agravamento da carga fiscal sobre um conjunto de investidores de retalho que não são bem-vindos a comprar e vender ações ou ETFs, ou outro de tipo de valores mobiliários, no dia a dia. O governo português que não gosta da classe média alta, vai propor, refém de pensamentos anti-mercado, que as Mais Valias bolsistas realizadas nos primeiros 12 meses, e apenas essas, são más pois serão tributadas a uma taxa marginal superior aquelas que forem realizadas no prazo de 12 meses e um dia, na prática retirando graus de liberdade a um investidor, sujeito a IRS, consciente e informado que ache que chegou o momento de vender ou comprar o valor mobiliário A ou B.

Nesta formulação da tributação das Mais Valias, a função de “price-discovery” resultantes de haver centenas ou milhares de decisões individuais a contribuir para que haja oferta e procura todos os dias, mesmo que poucas coisas mudem, algo que todos os mercados funcionais e desenvolvidos do mundo promovem, tenderá a piorar em Portugal. Se a liquidez da Euronext Lisbon não era propriamente das mais interessantes a nível Europeu, esta medida pouco irá contribuir para a sua melhoria. O investidor de retalho, em especial aqueles com maior capacidade para investir e arriscar numa base regular e diária, tenderá a ausentar-se ainda mais deste “mercado” se, por cada 100 euros que ganhar numa operação, tiver que entregar 50 ao Estado.

Quem fica a ganhar com a proposta? Nem as arcas do Estado (pois os montantes arrecadados poderão ser irrisórios se se materializarem em 2021 as mais valias e deixarem para 2022 as menos valias), nem o mercado de capitais português que perderá liquidez, nem as empresas portuguesas. Não são estas as medidas que a OCDE preconizava e que o Ministro da Economia acreditava há um ano atrás.

Quem ganhará Dez a Zero será uma máquina de propaganda que tem conduzido ao empobrecimento relativo dos portugueses nos últimos 20 anos com cargas fiscais cada vez mais elevadas em % do PIB e que vende a ideia que não precisamos dos investidores portugueses para a dinamização do mercado, pois estamos bem financiados no longo prazo pelo dinheiro das Bazucas.

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