Influenciadores digitais e as novas regras da intermediação financeira

  • José Costa Pinto e Tiago Picão de Abreu
  • 10 Março 2022

A regulação neste setor complexo tem sido – acertadamente – cada vez mais apertada, sendo prova disso o aparecimento do novo “Regime das Empresas de Investimento”.

Dados recentes apontam para que apenas nas 4 maiores redes sociais da atualidade em número de utilizadores registados (o Facebook, o Youtube, o Instagram e o Tik-Tok) estejam registados mais de 7,5 bilhões de pessoas em todo o mundo. O impacto profundo desta realidade afeta literalmente todas as dimensões da nossa sociedade, como bem sabemos e vemos.

Neste contexto, também na indústria da intermediação financeira temos assistido ao surgimento de novos fenómenos nascidos nas redes sociais: conselheiros financeiros que “promovem” (normalmente de forma dissimulada) determinados tipos de investimentos.

Muitas vezes fazem-no diretamente, ao promoverem a aplicação de recursos financeiros em produtos concretos, como são exemplos os incentivos à aquisição de criptomoedas. Mas outras vezes fazem-no indiretamente, ao promoverem, por exemplo, “cursos” de “literacia financeira” (pagos ao próprio conselheiro, não raras vezes) onde nos prometem ensinar os “5 maiores segredos” do sucesso financeiro que lhes transformou a vida e os tornou milionários num par de anos (tudo acompanhado de imagens dos respetivos modos de vida faustosos).

A verdade é que, as expectativas de lucros rápidos e elevados levam a que muitas pessoas se sintam atraídas a recorrer aos conselhos dos chamados “influencers digitais” ou “gurus financeiros” e a plataformas digitais de investimento. Numa pesquisa rápida pela internet, é fácil perceber que este fenómeno está a ser seguido de perto pelas entidades reguladoras, designadamente pela CMVM no caso português, que tem alertado para vários casos de verdadeira “intermediação financeira” ilegítima e ilegal.

Com efeito, na esmagadora maioria das vezes, as expectativas de lucro não só não se concretizam, como se verifica que esses tais agentes não estão legalmente autorizados a prestar serviços de intermediação financeira. Esta circunstância, quando somada à falta de conhecimento do mercado de capitais de tantos investidores principiantes, gera quase sempre prejuízos relevantes nas respetivas contas, muito superior ao montante de capital inicialmente aplicado. Porque, sob a capa de um aparente enriquecimento fácil, escondem-se instrumentos financeiros de elevada complexidade técnica, com mecanismos de funcionamento e riscos de investimento nem sempre explicados de forma clara ao investidor.

É, por isso, essencial saber e perceber que em Portugal (tal como nos demais países da União Europeia e muitos outros estados) só podem prestar serviços de intermediação financeira por via digital duas categorias de entidades: aquelas com estabelecimento em Portugal e autorizadas para o efeito pela CMVM ou entidades de outro Estado-Membro habilitadas a prestar serviços em Portugal em regime de livre prestação de serviços.

A regulação neste setor complexo tem sido – acertadamente – cada vez mais apertada, sendo prova disso o aparecimento do novo “Regime das Empresas de Investimento”, entrado em vigor no passado dia 1 de fevereiro e aprovado pelo Conselho de Ministros a 10 de dezembro passado (Decreto-Lei n.º 109-H/2021). Este novo regime veio criar uma única categoria de empresa de investimento, dividida em três classes consoante o tipo de serviços e atividades de investimento e o volume de negócio em causa. São desta forma extintas as quatro categorias de empresas de investimento anteriormente existentes, que se encontravam reguladas de forma diferente por vários diplomas dispersos. Outra novidade muito importante é o fim da supervisão conjunta da CMVM e do Banco de Portugal, deixando assim de existir uma sobreposição de competências, com a atribuição do poder fiscalizador exclusivamente à CMVM.

Esperemos que, com uma regulação deste setor mais organizada, haja também uma maior atenção aos conselheiros (digitais e não digitais) ou gurus financeiros que abundam na internet com propostas tentadoras de enriquecimento instantâneo. Infelizmente, muitos não passam de agentes que nunca foram sujeitos a qualquer crivo de idoneidade nem dispõem de autorização legal para prestar serviços de investimento. Nestes casos, aumenta assim o risco de estarmos perante condutas que podem consubstanciar crimes de manipulação do mercado ou práticas fraudulentas.

Resta-nos (e principalmente à CMVM) estar atentos e assegurar que a intermediação financeira se mantém uma atividade segura e supervisionada, que proteja os investidores de forma abrangente e eficaz, respondendo, também, aos riscos resultantes da proliferação dos canais de divulgação e da simplificação de certos instrumentos financeiros, que atraem investidores incautos para um universo muito mais complexo do que aparenta inicialmente ser.

  • José Costa Pinto
  • Sócio fundador da Costa Pinto
  • Tiago Picão de Abreu
  • Associado sénior da Costa Pinto

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