Licença para explorar
Podem as grandes empresas dar-se ao luxo de falhar novos projetos quando têm objetivos claros para cumprir? Ou será que o medo de falhar é o maior risco que as empresas “tradicionais” correm?
A inovação assume um papel central na transição energética, sendo crítica para encontrar tecnologias, processos e modelos de negócio disruptivos que nos permitam alcançar os objetivos de descarbonização. Se o senso comum nos leva a pensar que é nas start-ups que encontramos os perfis mais empreendedores, há cada vez mais empresas “tradicionais” a destacarem-se pela capacidade de inovar, muitas vezes como resultado de grandes transformações internas ao nível da definição de prioridades, atração e retenção de talento, maior tolerância ao erro e à experimentação.
Todos os anos surgem mais de 50 milhões de start-ups em todo o mundo, número em crescimento desde a pandemia com a proliferação de negócios digitais. Com base num estudo da Harvard Business School, no universo das novas start-ups criadas em Silicon Valley, 10% têm probabilidade de sucesso, 10-20% recuperam o investimento de forma marginal e 70% falham. Apesar destes números, poucos duvidam do grande valor acrescentado do ecossistema de start-ups e o quanto têm contribuído para acelerar a mudança, mudar mentalidades e causar disrupção no status quo. A cultura de que é preciso falhar para aprender está cada vez mais enraizada. Mas será também esta a cultura vigente nas organizações de maior dimensão e maturidade? Podem as grandes empresas dar-se ao luxo de falhar novos projetos quando têm objetivos claros para cumprir? Ou será que o medo de falhar é o maior risco que as empresas “tradicionais” correm?
A inovação foi durante muito tempo associada maioritariamente às start-ups, reconhecidas por terem uma grande capacidade de aceleração e disrupção face às empresas “tradicionais”. Mas a mudança é evidente. De acordo com a Mckinsey, mais de 80% dos CEO de grandes empresas têm a inovação como umas das suas três principais prioridades, havendo evidência de que empresas mais inovadoras tendem a ser 10% mais resistentes em tempos de crise e a ultrapassar em 30% a performance do mercado em tempos de retoma.
Não há caminhos simples nem rápidos para a descarbonização. É necessário investir em tecnologias e soluções cujo potencial é por vezes incerto. E esta necessidade de desdobrar o foco é um grande desafio para muitas empresas que têm de pensar no “amanhã”, mantendo a prioridade no “hoje”. Se nem sempre esta ambidextria é dominada pelas empresas de maior dimensão e maturidade, muitas vezes percecionadas como menos ágeis e pouco abertas à mudança, a verdade é que a sua história pode ser um ativo muito valioso na hora de inovar: pessoas com décadas de experiência, capacidade de produção e de entrega comprovada, clientes com quem interagem e cujas necessidades conhecem bem, e muitas delas com o músculo financeiro e a reputação necessária para inovar com sucesso.
Nas grandes organizações, a forma de estimular o potencial e experiência acumulados, é não deixar que a inovação se desenvolva em silos, sob pena de se tornar demasiado distante da atividade atual e conduzir a soluções que não vão ser adotadas (a desconexão com o negócio corrente é o principal obstáculo apontado pelas grandes empresas ao lançamento de soluções inovadoras de sucesso, de acordo com estudo BCG de 2021). Mas é necessário assegurar que existe um espaço próprio de incubação e entrega de novos projetos assim como uma “licença para explorar” novas ideias, que deve partir do topo.
O típico perfil de empreendedor, que acorda todos os dias a pensar no potencial da sua solução para criar um mundo melhor, é talentoso e dedicado, contagia as pessoas à sua volta com a sua motivação e gosta de arriscar, é cada vez mais comum nas empresas “tradicionais”. Nestas organizações, é crítico identificar estes agentes de mudança, estimular a geração de novas soluções, incentivar a agilidade e a colaboração. Grandes exemplos de empreendedorismo interno podem ser encontrados na Google, 3M ou Airbus.
No sector energético, a EDP lançou recentemente o novo programa “The Spiral” dirigido a todo o seu universo de colaboradores, cujo objetivo passa por incentivar a identificação de novas soluções de descarbonização, ao mesmo tempo que continua uma forte aposta nos seus veículos de inovação externa (com start-ups e outros parceiros).
O sucesso da transição energética vai exigir uma enorme capacidade de adaptação à mudança. Nas empresas de maior dimensão e maturidade, a capacidade de fomentar internamente uma cultura empreendedora, a par de uma estreita e intensa colaboração com o ecossistema externo, será determinante.
Nota: esta é a coluna da iniciativa cívica Women in ESG Portugal para o ECO, e por meio deste canal pretendemos trazer conteúdos ligados ao ESG de forma descomplicada para a sociedade, na voz de mulheres que detém expertise técnica na área. Para mais informações, aceda ao site: www.winesgpt.com
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