
Lone Star, um abutre vestido de cordeiro no Novobanco
O fundo Lone Star garantiu uma rentabilidade sem precedentes num negócio bancário em Portugal com a venda do Novobanco, mas recusa-se a atribuir um cêntimo de prémio aos trabalhadores.
O fundo americano Lone Star arriscou comprar o Novobanco em 2017 quando nenhum dos operadores em Portugal ousou fazê-lo nas mesmas condições. Investiu e liderou uma recuperação, com uma equipa de gestão e centenas de trabalhadores que tinham segurado o banco quando tudo parecia perdido. Seis anos depois, vendem o banco aos franceses do BPCE por 6,4 mil milhões, dão prémio aos gestores (e bem) e recusam prémio aos trabalhadores (uma vergonha). Dou a mão à palmatória: Tivemos no Novobanco um abutre vestido de cordeiro.
Quando o fundo americano entrou no Novobanco, foram muitas as críticas de que estaríamos a abrir a porta a um fundo-abutre. A expressão é ofensiva, pelos atributos que tem esta ave. Alimentam-se exclusivamente de animais mortos, guiam-se pela visão para localizar as carcaças a grandes distâncias, não pelo olfato, e desempenham um papel vital na limpeza dos ecossistemas, eliminando carcaças e prevenindo a propagação de doenças.
O Lone Star arriscou investir num banco que estava a sair do coma, depois de três anos horríveis, em que voltou dos mortos-vivos, regresso só possível por causa de uma equipa de trabalhadores que aguentaram (quase tudo), uma rede comercial do melhor do que o país tinha. Os últimos seis anos tiveram momentos de tensão, mas a recuperação em que poucos acreditavam foi possível, superou as expectativas. A conjuntura dos juros elevados ajudou muito à margem, a par da limpeza do balanço suportada numa garantia pública de quase quatro mil milhões de euros. Que, como era previsível, foi quase toda usada.
Chegou o momento da venda, a rábula da dispersão em mercado que serviu como lebre para a operação desejada. Apareceram interessados, ganhou um grupo francês, que aceitou pagar mais de seis mil milhões. Recorde-se: O Lone Star Investiu mil milhões…
No momento da saída, ainda com o processo em curso, os quadros superiores do Fundo e a gestão do Novobanco vão beneficiar do trabalho que fizeram, e bem. Através de uma estrutura de incentivos complexa, investiram numa sociedade e vão ganhar pela valorização do valor da venda. Muitos milhões. O ponto não é este.
Os trabalhadores foram essenciais, até à chegada do Lone Star, e agora até à venda. Mas o Lone Star não está disponível para partilhar uma centésima parte dos ganhos. Nem um euro. Deverá pensar: Fiquem muito contentes porque têm emprego. Pensam muito mal. Pobres de espírito, apesar dos milhões. É imoral.
Há um pecado original. Até hoje sabe-se pouco dos contratos, dos incentivos que foram dados ao Lone Star, e dos incentivos que o fundo deu aos seus gestores. É uma lição: Todos os stakeholders deveriam ter conhecido em 2017 todos os contratos, desde logo os outros acionistas do Novobanco, o Fundo de Resolução e o próprio Estado, mas também os trabalhadores, parte interessada neste processo.
O Lone Star garantiu uma rentabilidade brutal, da ordem dos milhares de milhões, mas está indisponível para distribuir 25 milhões de euros pelos trabalhadores. E enquanto acionista maioritário, não decidiu, por exemplo, um prémio extraordinário pelo resultados de 2024 a atribuir pelo próprio Novobanco. Nada.
O Fundo de Resolução e o Ministério das Finanças, como acionistas com 25% do capital, têm a obrigação de pedir explicações e de as partilhar em público. É o mínimo, para salvaguardar princípios morais básicos. Não podem demitir-se dessa responsabilidade. E Marcelo Rebelo de Sousa, que fala de tudo, também deveria fazer a pergunta em público:
- Com esta venda, como se explica a distribuição de prémios a gestores sem partilhar ganhos com os trabalhadores?
O capitalismo e a economia de mercado são os melhores dos sistemas para promover a prosperidade e bem estar social, mas são abutres como estes que lhes dão mau nome e geram a indignação e a revolta social.
PS: O novo acionista já decidiu manter o CEO em funções, o irlandês Mark Bourke, um dos beneficiados pelos prémios de venda. Em que condições vai liderar a equipa do Novobanco depois disto?
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