Marcelo matou Cavaco
A política são as pessoas, a política é lutar todos os dias por melhorar a vida das pessoas. E é tempo da política se impor aos balancetes e às contas de merceeiro.
Todos já viram “O Padrinho” e por isso facilmente se recordam que o “consiglieri”, Tom Hagen, costumava avisar que «Mr. Corleone é um homem que insiste em saber logo as más notícias». Nós, portugueses, sem o querermos nem desejarmos saber, tínhamos quase todos os dias más notícias durante os tempos do Governo PSD/CDS e de Cavaco Silva.
Não cabe neste artigo analisar a bondade dessa governação ou os estados de alma que eram ciciados de Belém, o que registo é que, na sua generalidade, os portugueses estavam fartos de más notícias e do clima telúrico que se instalou no nosso País. E um dos principais factores de desalento com os políticos e o ambiente confrangedoramente triste que se vivia, passava pelos penosos últimos anos e dias de Cavaco Silva em Belém.
Eu não sou nem de esquerda nem de direita, não tenho partido, não sou fanático de Marcelo Rebelo de Sousa, nem votei nele, por isso ainda mais à vontade estou para escrever livremente sobre a maneira como tenho gostado da sua actuação. O seu magistério não é o de influência é o dos afectos. Em cada gesto de Marcelo há vida, há esperança, há sentimentos positivos, contrastando com uma figura de cera que diariamente ia perdendo o seu brilho e credibilidade.
Marcelo é gente, gosta das pessoas, dá beijinhos e abraços, semeia uma alegria contagiante, enquanto Cavaco se ia perdendo no labirinto da sua solidão, da sua misantropia. Marcelo percebeu que os portugueses precisavam do seu abraço e do seu optimismo, depois de vários anos fustigados pelo chicote da austeridade e dos números sem alma. Sim, a política são as pessoas, a política é lutar todos os dias por melhorar a vida das pessoas. E é tempo da política se impor aos balancetes e às contas de merceeiro.
Quem conhece Marcelo sabe do seu gosto por partidas e algumas traquinices. Todos sabemos que foi o palco da TVI que lhe granjeou a estima e a simpatia dos portugueses, a sua imagem de “professor” impôs-se na percepção das pessoas ao seu lado instável e hipocondríaco.
Do melhor romance editado em 2015, “Assim Começa o Mal”, de Javier Marias, retiro a seguinte passagem: «Há aqueles que desfrutam com o engano, a astúcia e a simulação, e têm uma enorme paciência para tecer as suas redes. São capazes de viver o longo presente com um olho posto num futuro impreciso que não se sabe quando vai chegar». Porque também há todo este lado num político hábil como Marcelo. Demorou 15 anos a cumprir o seu sonho, mas ele ali está, com toda a naturalidade, em Belém com índices de popularidade que agregam todos os segmentos sociais e todas as facções partidárias.
No início do seu mandato, Marcelo foi convidado para fazer a apresentação de uma iniciativa muito válida da estação pública de televisão, o regresso dos Livros RTP. Aconteceu na livraria Bucholz, eu estava presente, e no final comentei para o seu assessor de imprensa, o Paulo Magalhães, que era toda uma diferença para o seu antecessor estar a falar de improviso, com humor e sabedoria, a reviver as suas memórias dos tempos que ali passou em animadas tertúlias com outros grandes nomes da língua portuguesa e com carinho evidente pela literatura, pelas artes, enfim, pela promoção e divulgação da nossa cultura que deve ser matriz essencial dos inquilinos de Belém.
Marcelo dá confiança e sente-a retribuída pelos portugueses. É certo que ainda não se deparou com fortes tempestades institucionais, mas tem contribuído para uma estabilidade que acalma e tranquiliza as pessoas e os mercados. Não sabemos o dia de amanhã, apenas tenho a certeza que Marcelo já empurrou Cavaco, de quem ninguém tem saudades, para um triste rodapé da nossa História. Mais que não seja, neste ano de mandato o mais positivo de tudo é que Marcelo matou Cavaco.
Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
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