Marcelo não é o presidente do Conselho
Marcelo Rebelo de Sousa deu a mão a António Costa no caso TAP. Tentou (outra vez) enterrar um tema relevante e impor uma agenda. Mas Marcelo não é o presidente do Conselho.
O primeiro-ministro António Costa está sob pressão porque nomeou Diogo Lacerda Machado para a administração da TAP e, perante isto, o Presidente da República vem em socorro do governo da pior forma, e com argumentos contraditórios entre si. Primeiro, considera que o PSD está a questionar a nomeação porque o país está em campanha eleitoral (?), depois lança o debate das nomeações porque, afinal, é um tema relevante. Em que ficámos?
Já escrevi no ECO Login de segunda-feira, Diogo Lacerda Machado não deveria entrar na TAP, mas não pelas razões invocadas por Pedro Passos Coelho. A reversão da privatização é um erro, e tem tudo para dar errado. Mas está feita. O advogado representou o Estado nas negociações com os privados para a reversão da privatização e, agora, entra na quota pública na administração. Não vejo onde está o conflito de interesses. Além disso, a questão não é saber se Lacerda Machado é amigo de António Costa, mas se é competente para a função. E é.
O problema é outro, é o passado, o longínquo, há mais de dez anos, quando esteve do lado da Geocapital no negócio da TAP no Brasil. A Geocapital entrou com a TAP, saiu e a TAP ficou, o resto é história. E muitos prejuízos. Bem se pode dizer que, provavelmente, a TAP não teria as rotas para o Brasil se não tivesse comprado a VEM. Não temos o contra-factual, sabemos que a TAP perdeu centenas de milhões ao longo dos anos nesse negócio de manutenção. Lacerda Machado fez o seu papel, defendendo outros interesses, legítimos, à data. Deveria, por isso, manter uma distância saudável da TAP e de funções, mesmo não executivas. Mas também é o passado recente, a forma como esteve a trabalhar, sem qualquer contrato para o Estado, ou antes para António Costa. Em vários dossiês, sem qualquer tipo de ‘accountability’ pública de nenhum dos órgãos de soberania, nem sequer da sociedade, porque não se sabia a sua função nem o seu papel. Foi corrigido? Foi, mas tarde.
É no mínimo questionável a sua nomeação para a TAP, mesmo tendo em conta a sua competência para a função, inquestionável, e o mesmo não podemos dizer do novo chairman, Miguel Frasquilho. Não é politiquice, e por isso Marcelo não deveria meter-se por aí. Deu a mão a Costa, desvalorizou a iniciativa do PSD e, pior, depois quis distrair-nos com uma proposta que, valha a verdade, nem se consegue perceber o alcance. Não sabemos se de forma intencional, ou por desconhecimento do Presidente.
“O ponto interessante é para o futuro. Talvez valha a pena pensar para os administradores executivos de empresas onde está o Estado, que é que antes da decisão pelo Governo haja uma audição por parte de uma entidade independente que se pronuncie sobre os nomes propostos”, afirma Marcelo.
Ora bem, tenho uma notícia a dar a Marcelo. Isso já existe, a Cresap já se pronuncia sobre os gestores públicos, nomeadamente os executivos, nas empresas do universo público. O que quer o Presidente? Podemos tentar adivinhar. Quer uma entidade independente a pronunciar-se sobre o setor privado? Quer uma entidade independente a avaliar os candidatos indicados pelo Estado em empresas nas quais tem participações minoritárias? Mas essas já são privadas… No caso da TAP, aliás, o governo argumenta que reverteu a privatização, mas, para efeitos de avaliação da Cresap, isto é, da dita avaliação prévia dos gestores públicos, a TAP já é privada. Grande confusão.
O Presidente da República terá, seguramente, a oportunidade de esclarecer o sentido da sua proposta nos próximos dias, e é útil que o tema seja discutido, sim. Mas sem que isso corresponda a matar outros assuntos. Por sua iniciativa, Marcelo já deu por encerrado o caso Centeno e os SMS, não faltava mais nada que, agora, passasse a ser o Presidente a decidir o que os portugueses, os partidos e a sociedade civil, podem ou não discutir. Marcelo não é, que se saiba, o presidente do Conselho.
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