Editorial

Montenegro tem de ir a votos (ou demitir-se)

A suspensão política nos próximos meses e a incerteza sobre o resultado eleitoral e a governação podem ter impactos económicos relevantes. Mas todos parecem esquecer o que está subjacente à crise.

Nos últimos dias, sucederam-se os apelos a um entendimento na 25ª hora entre o Governo e o PS para evitarem eleições antecipadas que, obviamente, o país dispensaria. No contexto global em que vivemos, como admite o presidente da CIP na entrevista ao podcast do ECO e CNN — O Mistério das Finanças, que pode ouvir aqui –, a suspensão política nos próximos três meses e a incerteza sobre o que será o resultado eleitoral e a governação podem ter impactos económicos relevantes. Mas todos parecem esquecer o que está subjacente esta crise política.

Não vale a pena andar com rodeios: A crise política resulta dos contratos da empresa familiar de Luís Montenegro, ou melhor, da “empresa Luís Montenegro, lda”, que aparece registada na conservatória como Spinumviva. Os sucessivos erros do primeiro-ministro — o melhor de todos no Governo — desde o primeiro dia trouxeram o país até aqui. A rábula sobre as responsabilidades deve ser remetida para a esfera partidária, agora que estamos na véspera da votação da moção de confiança no Parlamento que, tudo indica, ditará a queda do Governo e eleições em meados de maio.

Se o que estivesse em causa fosse matéria política, decisões de políticas públicas, caminhos decididos pelo Governo, seria de facto inexplicável a antecipação das eleições. Até Pedro Nuno Santos percebeu isso na aprovação do orçamento da 2025. Mas o que está em causa é outra coisa: Integridade e ética. Nem José Sócrates foi a eleições em 2011 neste contexto, e já havia motivos muito mais fortes para isso do que se discute agora, mas a troika, a falência do Estado, paradoxalmente, até ajudou o antigo líder socialista. E não há outra forma para repor a autoridade política de Montenegro do que eleições, o voto popular.

Independentemente das avaliações que cada um faça sobre o comportamento de Luís Montenegro — já aqui o escrevi no Login que Montenegro não poderia beneficiar de rendimentos de uma empresa em acumulação como exercício de funções governativas –, as eleições antecipadas são muito particulares: São um referendo à honestidade do primeiro-ministro, e quando é isso que está em causa, e não havendo matéria judicial, só eleições podem relegitimar o líder do PSD. O próprio precisa disto, mas o país também, e as empresas que agora pedem estabilidade só terão instabilidade com um pântano.

Havia alternativas? Havia uma, e apenas uma. Se Luís Montenegro saísse, se se demitisse, o PS deixaria de ter condições políticas para manter o voto contra a moção de confiança ou uma comissão de inquérito. Mas isso não vai suceder, a não ser que, nas próximas semanas, surja alguma questão judicial, um parágrafo num qualquer comunicado da PGR.

Luís Montenegro transformou esta crise que tem origem na sua própria casa — literalmente, porque até há alguns dias a Spinumviva tinha a morada na residência familiar — num problema do partido e até do Governo. É politicamente compreensível, não chega para mudar a realidade, mas pode criar perceções. E até às mais do que prováveis eleições, o primeiro-ministro não vai parar, vai impor um ritmo talvez até superior ao que o Governo teve nos primeiros meses, quando admitia cair até ao orçamento. O anúncio de surpresa da estratégia nacional para a água, a um domingo, com um investimento de cinco mil milhões — número que impressiona mas tem muito que se lhe diga — e o conselho de ministros marcado para hoje e que servirá seguramente para a aprovação de vários diplomas de áreas como o trabalho ou a educação e saúde, são exemplos do que aí vem.

O primeiro-ministro está a jogar o ‘tudo ou nada’. Se perder, vai embora, se ganhar, deixa Pedro Nuno Santos numa situação difícil. Se se aguentar na liderança do PS (coisa que não é certa se voltar a perder legislativas), vai mesmo querer fazer uma comissão de inquérito ao primeiro-ministro depois de um ato eleitoral que lhe deu uma vitória? Seria uma jogada de alto risco, para si e para o PS.

Como diz o presidente da CIP em entrevista ao ECO, as eleições vão servir para mandar Montenegro para casa ou para lhe dar a autoridade perdida. “Creio que [o primeiro-ministro] foi temerário, mas creio que a sua integridade enquanto gestor da coisa pública não está em causa. Dito de outra maneira, se cometeu algum ato de corrupção, de peculato, objetivamente não temos dados neste momento que nos permitam dizer que cometeu… Então, se não cometeu, a alternativa não é um ‘nim’, é sim ou não. Cometeu algum ilícito ou não cometeu. Se cometeu, é uma conclusão, se não cometeu, [é] outra, mas pode vir a cometer. Bom, então já entramos dentro de uma esfera que é a política”. É isto.

No primeiro ano em funções, o Governo merecia um 65% (em 100%). Áreas a correrem particularmente bem, uma, especificamente, particularmente mal, e outras ainda à procura do seu caminho. Vinha aí uma remodelação por causa das autárquicas, por exemplo, o ministro Pedro Duarte a caminho das eleições para o Porto, e a oportunidade de um segundo fôlego a olhar para legislativas a seguir às presidências, lá para meados de 2026. Hoje, Montenegro merece um 35%.

Os portugueses, em eleições, vão dar-lhe quanto?

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