Muita testosterona, pouco bom senso e a galinha parlamentar

Pura e simplesmente, viemos parar a esta crise política, com a qual ninguém tem nada a ganhar, porque ninguém fez o suficiente para não termos cá chegado. E, às vezes, isso basta.

Ninguém sabe ao certo quando foi inventada a “chicken race”, embora provavelmente tenha surgido por volta dos anos 40 ou 50 nos Estados Unidos da América. O conceito é simples: dois carros estão em lados opostos de uma estrada estreita, e aceleram a toda a velocidade um em direção ao outro. Aquele que se desviar primeiro é um cobarde (chicken, em calão inglês) e perde. Se nenhum dos dois se desviar, ninguém perde, mas é coisa para aleijar bastante.

Foi um pouco disto que se viu na crise política desta última semana.

Podemos tirar desta equação o Chega, que na verdade não risca nada e quer sempre que o Governo caia, qualquer Governo de que não faça parte. Olhando para os verdadeiros protagonistas desta saga, o PSD e o PS, há algumas semanas que vinham fazendo soar os seus aceleradores, sem sair do lugar, achando que tal seria suficiente para amedrontar o adversário. Não foi.

Depois, as coisas precipitaram-se. Pedro Nuno Santos, acossado internamente por ser tíbio/responsável, sacou da manga um trunfo, a Comissão Parlamentar de Inquérito à Spinumviva, cuja importância, parece-me, nem ele percebeu imediatamente. A esse rugir do motor, Montenegro reagiu com uma moção de confiança, que o condutor Pedro Nuno Santos já avisara que iria chumbar.

No meio deste barulho e deste cheiro a gasolina e a borracha queimada, sobrou em testosterona e em bravado, como dizem os ingleses, o que faltou em tranquilidade e bom senso.

Pedro Nuno, farto de ser considerado demasiado manso enquanto líder da oposição, sentiu que a sua margem de recuo tinha terminado, e teve de se fazer de forte. Luís Montenegro reagiu de forma mais teimosa e nervosa do que o caso exigiria, e creio que isso terá a ver com o que ele sentiu como um ataque pessoal, não apenas a si mas à sua família, à sua terra, às suas raízes de fora da corte lisboeta. Acredito que esse lado mais emocional da questão tenha toldado o seu raciocínio. Isso levou-o a não matar o assunto de uma vez e a acelerar de volta, numa dupla sinfonia de rugidos de motor que, francamente, pareceu sempre algo ridícula, de parte a parte.

Se os portugueses não percebem particularmente a utilidade ou a necessidade de irmos agora para eleições, isso é também verdade para a AD, para o Governo e para o PS. Pura e simplesmente, viemos cá parar, porque ninguém fez o suficiente para não termos cá chegado. E, às vezes, isso basta.

Nesta “chicken race”, naquela fatídica tarde de terça-feira, os dois carros aceleraram a fundo em direção ao embate. Nenhum dos dois queria realmente bater, nenhum dos dois sabia muito bem a razão pela qual estavam naquela situação, mas o medo de parecer cobarde, de perder, sobrepôs-se a tudo. À última da hora, uma esperança, verdadeira ou fingida: o PSD começou a ceder, admitindo virar para fora da estrada e impedir o embate.

Mas essa lamentável negociação exclusivista em pleno plenário, a da mini-CPI, já não tinha realmente condições de ser aceite. Pedro Nuno Santos parecia noutro plano, agarrado ao volante como se fossem mãos de outra pessoa que não o deixassem largar; já Montenegro ostentava um mais desesperado mas continuando a acelerar. No último momento, com sucessivas propostas de mercearia parlamentar, o PSD – que tinha mais a perder – tentou desviar-se, mesmo que cedendo, mesmo que perdendo, mesmo que ficasse como o cobarde.

Mas foi demasiado tarde.

O embate era já inevitável, e nós apanhámos com os estilhaços.

A teoria dos jogos tem longas páginas escritas sobre a “chicken race”, explicando que não há um incentivo real para ambos os jogadores irem até ao fim, porque isso pode significar a sua morte. Mas a testosterona, a gritaria, a bazófia, são instrumentos muito mais poderosos do que a teoria política considera habitualmente.

A quantidade de disparates cometidos, desde que o homem é homem, apenas para não “perder a face”, encheria várias enciclopédias. O que vimos na política portuguesa na última semana daria todo um triste capítulo.

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