Não são alterações climáticas, são alterações de vida
Ficarmo-nos apenas pelo combate às alterações climáticas é insuficiente para assegurarmos um planeta sustentável e resiliente para as novas gerações.
Nos últimos anos o tema das alterações climáticas tem dominado a política ambiental (e não só) na Europa e no Mundo. O Green Deal e a Lei Europeia do Clima preconizam a ambição e a prioridade que no velho continente exigimos para o ambiente, a pensar no futuro, nas novas gerações. É fundamental que o planeta e a humanidade reencontrem o equilíbrio e para tal a sustentabilidade tornou-se na palavra de ordem. E a verdade é que algumas alterações climáticas já se tornaram irreversíveis sendo por isso necessário e urgente falarmos (e agirmos!) também para nos adaptarmos às alterações climáticas.
A adaptação às alterações climáticas é possivelmente o parente pobre das políticas ambientais, um domínio da política ambiental frequentemente esquecido, mas que constitui uma ligação central entre as alterações climáticas e a sustentabilidade social e económica. Sustentável, que provém do latim sustentare, significa sustentar, defender, conservar, cuidar. Ou seja, a sustentabilidade vai muito além da ecologia, do ambiente, trata-se da continuidade de processos de diferente natureza: económicos, sociais, culturais e ambientais.
Quem sofre hoje os efeitos das alterações climáticas já não são apenas os ursos polares ou outras espécies longínquas. Cada vez mais sofremos com a imprevisibilidade do clima e o aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos (vagas de calor, tempestades, cheias, incêndios florestais) tem um efeito disruptivo representando custos sociais e económicos crescentes para famílias, empresas e Estado. A Agência Europeia do Ambiente estima que os fenómenos meteorológicos e climáticos extremos representaram entre 1980 e 2017 perdas monetárias na ordem dos 426 mil milhões de euros. Estes valores têm-se vindo a agravar de forma substancial e a previsão é que o custo anual se possa vir a multiplicar por 15 vezes!
Por exemplo, o aumento da temperatura global tem inclusive impacto na propagação, duração e intensidade de doenças infecciosas e pandemias, colocando pressão adicional nos sistemas de saúde. A experiência recente com a COVID-19 revela bem o impacto transversal que um fenómeno biológico tem nos vários setores da sociedade, pondo a nu a nossa vulnerabilidade e capacidade de resposta.
Noutras regiões, as alterações climáticas forçaram as populações a adaptarem-se à imprevisibilidade meteorológica. Ao longo do tempo, as diferenças entre as estações do ano foram desaparecendo, misturando cheias e períodos de seca sem o critério temporal que as populações conheciam. Hoje, durante a estação seca as cheias são visitas indesejadas, mas frequentes.
No Bangladesh com uma condição geográfica própria, onde confluem três rios diferentes, a norte os glaciares dos Himalaias e a Sul a baía de Bengala, tornam o país particularmente vulnerável a cheias. Estes fenómenos climáticos extremos resultam em famílias desalojadas, agricultura devastada e o rendimento em risco. Em causa está também a segurança destas comunidades. A crescente salinização dos solos – devido ao aumento do nível da água – levou a adaptações muito necessárias produção alimentar. Foram introduzidos novos métodos e técnicas em aquacultura e agricultura, que além de assegurarem a subsistência das comunidades também lhes permite manter um rendimento mais constante ao longo do ano.
Em Portugal, as cheias atípicas na região do Algarve, os devastadores e mortíferos incêndios florestais um pouco por todo o país, e o processo de desertificação na Península Ibérica exigem ao Governo um cuidado redobrado na importância de adaptação às alterações climáticas. Portugal por exemplo, sofrerá mais com os efeitos da mortalidade humana relacionada ao calor, restrições de água, perda de habitat e incêndios florestais, que têm já ceifado centenas de vidas.
A escassez de água no sul da UE afeta já atividades económicas como a agricultura, silvicultura, aquicultura, turismo e produção de energia.
Acredito fortemente na importância de coordenar esforços e estratégias entre o clima e os campos económico e financeiro. É inegável que os riscos climáticos são cada vez mais relevantes para o sucesso das empresas e os seus lucros, mas há uma lacuna de financiamento considerável para investimentos em resiliência climática na Europa.
À semelhança do que acontece com o Fundo para a Transição Justa, que serve o objetivo de transição das regiões dependentes de combustíveis fósseis para o consumo de energia limpa, parece-me relevante colocar à discussão na agenda política europeia a necessidade de um fundo para a adaptação às alterações climáticas. Na realidade temos um Fundo para a Transição Justa para regiões que estão atrasadas na transição de carbono (e, portanto, que beneficiará aqueles que até hoje menos fizeram por alterar os seus modelos de produção de energia), mas ignoramos a necessidade de um fundo de adaptação para regiões que pouco contribuem para as alterações climáticas e que mais são por elas afetadas. Os impactos das mudanças climáticas não tropeçam nas fronteiras dos países nem afetam somente os que mais poluem. De resto, frequentemente afetam mais até os que menos emitem carbono.
A Presidência Portuguesa vai a meio do semestre e ainda falta algum tempo para podermos fazer uma avaliação dos seus méritos. Mas sendo Portugal um dos países mais afetados pelo impacto das alterações climáticas (com metade do nosso território em risco de desertificação, de acordo com o Tribunal de Contas Europeu) seria politicamente relevante que a Presidência Portuguesa não negligenciasse a urgência deste assunto e marcasse agenda com um tema tão importante para a sustentabilidade do país, do continente e do planeta.
Como Margaret Atwood um dia escreveu “It’s not climate change, it’s everything change”. Ficarmo-nos apenas pelo combate às alterações climáticas é insuficiente para assegurarmos um planeta sustentável e resiliente para as novas gerações. É urgente adaptarmo-nos!
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