NAV, o croupier da nossa mobilidade aérea

  • Pedro Castro
  • 30 Setembro 2025

A escolha da NAV resolveu o problema jurídico europeu, mas não afastou as dúvidas sobre a independência real do processo. O coordenador dos slots passou a estar sob a alçada direta do Governo.

Durante anos, a ANA-Aeroportos de Portugal foi a entidade responsável pela coordenação dos slots — as faixas horárias que determinam quem descola e aterra nos aeroportos coordenados. Mas a União Europeia concluiu que essa acumulação de funções – gerir aeroportos e gerir slots – violava o Regulamento 95/93, de 18 de janeiro de 1993, que exige que o coordenador seja independente, transparente e objetivamente separado dos operadores aeroportuários e companhias aéreas.

A questão arrastou-se até 2016, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em sede de execução de sentença, condenou formalmente Portugal por não garantir a independência do coordenador de slots (Processo C-205/14, Comissão Europeia vs. República Portuguesa). A decisão obrigava Portugal a criar uma entidade neutra, independente e com financiamento próprio.

A resposta do Governo foi lenta e só começou com a aprovação do Decreto-Lei n.º 96/2018, de 23 de novembro, que estabeleceu um novo regime de atribuição de faixas horárias e determinava que o coordenador seria escolhido através de um procedimento especial de qualificação conduzido pela ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil). Mas o concurso ficou deserto e nenhuma entidade se candidatou a assumir a função. Perante o impasse, o Executivo decidiu agir por via legislativa.

Assim, a 3 de março de 2020, o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 7/2020, que designou diretamente a NAV Portugal, E. P. E. — a empresa pública responsável pelo controlo do tráfego aéreo — como nova entidade coordenadora de slots. Esta decisão foi assumida no Conselho de Ministros de 23 de janeiro de 2020, quando o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, anunciou que o Estado português não podia continuar em incumprimento face a Bruxelas e que, dada a ausência de alternativas, a NAV passaria a ser o coordenador nacional dos slots.

A escolha da NAV – uma empresa pública sob tutela do mesmo ministério e responsável pela gestão do espaço aéreo – resolveu o problema jurídico europeu, mas não afastou as dúvidas sobre a independência real do processo. O coordenador dos slots passou a estar sob a alçada direta do Governo e ligado a uma estrutura pública com interesses estratégicos próprios na gestão do tráfego.

Pouco tempo depois desta solução ter sido apresentada, Pedro Nuno Santos nomeou Alexandra Reis, vinda diretamente da TAP onde exerceu um cargo de administradora, para o mais alto cargo de administração na NAV Portugal. A nomeação levantou críticas, sobretudo porque a TAP é a companhia com maior número de slots no aeroporto mais congestionado do país, Lisboa, e estava então sob reestruturação pública, após receber 3,2 mil milhões de euros de doação de Estado, com a obrigação de negociar a devolução de 18 pares de slots à easyJet.

Assim, no momento em que se exigia a máxima neutralidade e transparência, o Governo optou por centralizar a coordenação numa entidade pública tutelada pelo próprio ministério que tutelava a TAP, e de colocar uma ex-gestora da TAP numa posição de influência dentro dessa estrutura.

A criação de uma entidade neutra e independente para gerir os slots – exigência europeia desde os anos 90 – acabou por ser resolvida por decreto, com uma solução administrativamente conveniente, mas politicamente controversa. Portugal cumpriu formalmente a obrigação de Bruxelas, mas o modelo adotado não dissipou a perceção de conflito de interesses, num setor em que a transparência e a imparcialidade são essenciais para garantir concorrência justa entre companhias aéreas. Estes slots, em particular no aeroporto de Lisboa, não são fichas de casino, são minutos de acesso, de mobilidade e de economia para o país que não podem depender da sorte de uma jogada.

  • Pedro Castro
  • Consultor em aviação e docente em sistema de transportes

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