Notas de uma viagem à China
É difícil acreditar que a China possa evoluir organicamente para algo “mais ocidental”. Não sei se as pessoas o desejam ou, como Confúcio ensina, estarão resignadas na sua estação.
Escrevo do comboio “bala” que liga Xi’an a Chengdu. São 730km em 4 horas, o tempo da ligação de Lisboa a Faro; pontual ao minuto; limpíssimo. Desloquei-me à China em missão da European Federation for Management Development (EFMD), responsável pela prestigiada acreditação internacional EQUIS de escolas de gestão. Vim, precisamente, chefiar a delegação multinacional para a (re)acreditação da Escola de Gestão e Economia da Dalian University of Technology, em Dalian, província de Liaoning, no nordeste chinês. Concluída a missão, aproveitei para viajar uma semana com a minha mulher, por nós próprios, quase sem rede, pelo interior, fora das rotas mais batidas de Beijng, Shangai ou Guangzhou.
- Quis a sorte que a minha viagem tenha coincidido com a deslocação do Presidente Xi Jinping a S. Francisco. Na Universidade em Dalian, as poucas pessoas com quem consegui ter uma conversa em inglês manifestaram-se muito satisfeitas com essa viagem, porque admiram os EUA (e partilham o gosto americano por carros grandes), querem a paz e atribuíam ao encontro o significado de uma vitória de Xi por ter quebrado o isolamento que tentavam impor à China. Não admira que seja esta a perspetiva: é assim que a emissões da CCTV em inglês a apresentam, com recurso a inúmeros comentadores ocidentais. Aqui, o decoupling e o derisking são vistos como ataques diretos ao desenvolvimento da China e consubstanciam uma política ocidental agressiva que se reflete, também, no “piscar de olhos” a Taiwan.
- Xi’an, na província central de Shaanxi, é uma vibrante metrópole de 13 milhões. A antiga Chang’An – capital imperial das dinastias Qin, Han e Tang, início da rota da seda e porta de entrado do budismo na China – combina o milenar da cidade murada, com a modernidade das avenidas rasgada e aranha céus ousados da cidade fora de muros. Incrivelmente limpa e florida, diz-se possuir o melhor feng shui de toda a China. Acredito!
- É muito imprudente tecer considerações sobre um país com base nas impressões de uma curta viagem turística. O lado negro da vida é-o, precisamente, por não estar iluminado. Mas, feita a ressalva, aqui vai. Analistas internacionais falam em crise, desemprego juvenil, quebra de exportações e redução do investimento estrangeiro. Pelo menos em Xi’an não senti uma atmosfera de crise. Praças e jardins cheios de famílias alegres, centros comerciais bem recheados, parque automóvel moderno e jovens no último grito da moda. E infraestrutura pública de primeira água: autoestradas, aeroportos, estações de comboio e pontes. Uma diferença abissal relativamente a países como a Índia.
- Nem tudo o que luz ouro. Falaram-me também de grandes desigualdades. As regionais, em primeiro lugar: entre as cidades pujantes e modernas o campo ainda sem eletricidade em certas zonas. E das sociais: entre o cidadão comum e a elite dos artistas, políticos ou executivos de grandes empresas. Esta dá para pressentir.
- A vigilância também está sempre presente. Calculo que todos os meus passos estejam documentados, pois precisei de passar o passaporte por sistemas de reconhecimento automático para entrar em espetáculos, ver museus ou viajar de comboio entre cidades.
- Notei, ainda, um país virado para si próprio. Talvez seja algo comum a todos os grandes países como EUA ou Brasil. Terei visto 10 caras ocidentais, contrastando com um imenso turismo interno. Quase ninguém fala inglês e são ainda menos os que o falam de forma passável (sem o Google Translate não teríamos sobrevivido). Impressionou-me um jovem de cerca de 16 anos que me quis ajudar com o preço de um bilhete e foi incapaz de dizer 10 em inglês. Em contrapartida registei um culto popular da dinastia Tang: muitíssimas jovens mulheres passeando pelas ruas ao fim-de- semana vestidas à moda Tang, com as suas pesadas maquilhagens e elaborados penteados; “orgulho cultural”, chamam-lhe.
- A China não é, obviamente, um país socialista ou comunista. O PCC tem este nome, mas poder-se-ia chamar “Partido Nacional Único” e o regime económico é o capitalismo de Estado.
Estando na China é difícil acreditar que este estado de coisa possa evoluir organicamente para algo “mais ocidental”. Não sei se as pessoas o desejam ou, como Confúcio ensina, estarão resignadas na sua estação.
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