Novas questões na procura pela transparência
A natureza da DAC 6 reside em indicadores amplamente definidos, vasta informação a analisar, obrigação de monitorização permanente e dentro de prazos estritos e exigência de coordenar intermediários
Com o objetivo de aumentar a transparência das operações que cruzam as fronteiras da União Europeia, a Diretiva da UE 2018/822 do Conselho, de 25 de maio de 2018 (DAC 6), exige que os Estados-Membros imponham relatórios obrigatórios a intermediários e contribuintes relativamente a acordos fiscais transfronteiriços.
A política que sustenta esta proposta legislativa centra-se em garantir que as autoridades fiscais sejam atempadamente informadas da implementação de quaisquer procedimentos potencialmente agressivos, representado o mais recente entre os instrumentos nas mãos das autoridades fiscais europeias para estabelecer um conjunto de regras uniformes e aumentar a transparência nas transações que cruzam as fronteiras da EU.
Para atingir esta meta, a DAC 6 impõe uma obrigação de divulgação aos intermediários na UE, definidos como qualquer individuo que conceba, comercialize, organize, disponibilize ou implemente um acordo passível de reporte. O âmbito da definição é amplo, podendo incluir consultores, contabilistas, consultores financeiros, advogados e intermediários de seguros.
Esta obrigação de declaração aplica-se geralmente a regimes fiscais sujeitos a impostos que se enquadram no âmbito da Diretiva sobre Cooperação Administrativa, incluindo, em particular, impostos sobre o rendimento, sociedades, comércio e sucessões e doações. Em Portugal, esta obrigação inclui ainda regimes fiscais sujeitos a IVA.
Este foco na transparência fiscal presente nas atividades transfronteiriças não é novo. A maioria, senão mesmo todos, dos objetivos da DAC 6 foram já endereçados em certa medida por medidas legislativas a nível global, comunitária ou nacional. A necessidade de abordar a substância territorial a fim de alcançar condições de concorrência mais equitativas em todas as jurisdições é algo que os países já reconheceram. Várias jurisdições offshore, comumente conhecidas como “paraísos fiscais”, foram já incentivadas a promulgar legislação que reforce os requisitos de materialidade para empresas que operam nos seus territórios.
Facto inédito consiste em, a par de um projeto transformador no sentido de uma sociedade mais justa, se aproveitar o momento para a instalação de um mecanismo de vigilância dos contribuintes, com inspirações “orwellianas”. Este conta com um leque variado de coimas como garante do seu bom funcionamento, cuja constitucionalidade, ao abrigo do princípio da proporcionalidade, é, no mínimo, questionável.
Transfere-se, deste modo, uma função acrescida de inspeção dos serviços para os privados – contabilistas, advogados, auditores, consultores, entre outros, até então pouco assoberbados com modelos e formulários, e publicam-se orientações gerais que em pouco ou nada “orientam” os contribuintes e intermediários, num verdadeiro sistema de controlo para utilização à lá carte e ameaça de novos procedimentos inspetivos ao arrepio dos princípios constitucionais do Estado de Direito.
O resultado são contribuintes e intermediários a reportar tudo o que tem e não tem indícios de evasão fiscal, tal é o receio de aplicação do regime sancionatório, e um volume de informação que se vem somar à incapacidade já crónica de definir e executar prioridades nos serviços.
A consequência são, assim, empresas a pecar por excesso de cautela e a relatar informações relacionadas com acordos que não são de todo relatáveis, a fim de evitar possíveis sanções por ausência de relato ou subnotificação.
A natureza da DAC 6 reside em indicadores amplamente definidos, vasta informação a analisar, obrigação de monitorização permanente e dentro de prazos estritos e, finalmente, exigência de coordenar intermediários e contribuintes.
A Diretiva deixa, contudo, em aberto aos Estados-Membros a prescrição de sanções que sejam eficazes, proporcionais e dissuasivas sem, no entanto, ter em consideração os factos e circunstâncias peculiares de cada caso, correndo o risco da desproporcionalidade face à gravidade da violação em causa.
Tal cenário promete deixar passar as transações que a DAC 6 em primeiro lugar visava – as quais, com sorte, só anos mais tarde os media nos darão a conhecer –, e um clima de receio e incerteza.
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