Editorial

Novo Governo, outra vez a Lusa

O novo Governo parece querer fazer um negócio para a compra da participação da Global Media na Lusa que 'vetou' há pouco mais de quatro meses. Há uma alternativa que não desvirtua a concorrência.

A relação entre um Governo e a comunicação social é sempre um terreno escorregadio, gelo fino, tem de ser tratada com pinças, mantendo uma independência de facto e de direito sobre a missão dos jornalistas no escrutínio à decisão do agente político, mais ainda quando há uma crise de negócio nos meios de comunicação social. Os primeiros sinais que o Governo deu sobre a forma como admite fazer intervenção no setor não apontam no melhor caminho.

Nos últimos meses, avolumaram-se os pedidos de intervenção pública nos media, até a nacionalização de grupos privados em dificuldades, para salvar a Democracia… Realizaram-se congressos — fechados à profissão e a olhar com desconfiança para o que é hoje o ecosistema em que os meios e os jornalistas trabalham –, pediram-se programas especiais de apoio direito às empresas jornalísticas e até a subsidiação salarial. Tudo caminhos certos para pôr em causa a independência editorial e para fragilizarem ainda mais, à vista dos cidadãos, a credibilidade dos jornalistas.

Quase no final da anterior legislatura, e em plena campanha eleitoral, o Governo PS preparava-se para fazer um negócio com a Global Media. O grupo que tem o JN, DN e TSF, entre outros, estava com salários em atraso, à beira do precipício, e o Governo parecia ter encontrado uma boia de salvação, com o argumento, bondoso, de que o Estado teria de comprar a participação da Global na agência Lusa para fazer mudanças estatutárias e de modelo de governação. Era absolutamente crítico ter uma maioria clara do capital. O negócio caiu, e bem, por razões que deveriam ser óbvias, e porque o PSD sinalizou que questionaria um acordo destes em cima das eleições.

Surpreendentemente, o novo Governo AD parece querer recuperar esse negócio, o mesmo que ‘vetou’ ainda há pouco mais de quatro meses. O país não tem eleições marcadas no curto prazo, mas isso não invalida os argumentos de fundo que deveriam levar um Governo a evitar negócios que põem em causa a perceção de independência e que desvirtuam a concorrência entre grupos editoriais.

O que anunciou o ministro Pedro Duarte, que tem a tutela da comunicação social? “Queremos uma Lusa em que o Estado seja inequivocamente majoritário no seu capital“. Depois, numa espécie de atestado de dependência a todos os outros meios, afirma que a Lusa é “o último reduto” perante as fake news (a sério, Pedro Duarte?), finalmente, acrescenta que “há uma necessidade de modernização tecnológica (…) e a Lusa não é diferente” relativamente às necessidades de investimento.

Pois bem, exigências de investimento temos todos. E necessidade de capital, também. Em vez de subsidiar um grupo que, em determinado momento entendeu que deveria reforçar a sua posição no capital da agência pública, seguramente por motivos que considerou relevantes para o seu negócio, o Governo tem outra alternativa, que não desvirtua a concorrência.

Se o motivo genuíno que leva o Governo a considerar a necessidade de ter uma maioria clara de capital na Lusa — coisa que está longe de estar explicada porque o Estado tem a maioria das ações e o poder de decisão, desde logo a nomeação do Presidente executivo e, assim, da direção de informação — é mesmo a necessidade de investimento na empresa, só pode fazer uma coisa: Aumenta o capital da Lusa em 2,5 milhões de euros e os outros acionistas decidirão se querem acompanhar a operação, coisa que se antecipa mais do que improvável (ou então o negócio é tão bom que as posições acionistas mantêm-se como estão). Em qualquer dos casos, os fundos desse aumento de capital entram na empresa e ficam à disposição da gestão para fazer o investimento tecnológico necessário, o investimento em jornalistas, em vez de andar a subsidiar grupos de media que, num determinado momento, consideraram que comprar ações da agência pública seria benéfico, como sucedeu com a Global Media.

António Costa

Será absolutamente incompreensível que o Governo da AD faça o que criticou ao Governo PS, que ande a fazer negócios com uns grupos de media em prejuízo de outros. Pode dar todas as garantias de transparência e de exigência no negócio que vier a ser realizado, mas isso significará sempre apoiar diretamente um grupo com fundos públicos. E tem uma ótima alternativa, que beneficia a Agência Lusa, a qualidade do seu jornalismo, e também os contribuintes.

No final da legislatura anterior, o Governo PS tinha um acordo com a Global Media — os acionistas, entretanto, estão a mudar — para comprar a posição acionista de 45,5% na Agência Lusa por 2,5 milhões de euros.

Se o motivo genuíno que leva o Governo a considerar a necessidade de ter uma maioria clara de capital na Lusa — coisa que está longe de estar explicada porque o Estado tem a maioria das ações e o poder de decisão, desde logo a nomeação do Presidente executivo e, assim, da direção de informação — é mesmo a necessidade de investimento na empresa, só pode fazer uma coisa: Aumenta o capital da Lusa em 2,5 milhões de euros e os outros acionistas decidirão se querem acompanhar a operação, coisa que se antecipa mais do que improvável (ou então o negócio é tão bom que as posições acionistas mantêm-se como estão). Em qualquer dos casos, os fundos desse aumento de capital entram na empresa e ficam à disposição da gestão para fazer o investimento tecnológico necessário, o investimento em jornalistas, em vez de andar a subsidiar grupos de media que, num determinado momento, consideraram que comprar ações da agência pública seria benéfico, como sucedeu com a Global Media.

Este negócio, aparentemente, será anunciado nas próximas semanas. Haverá escrutínio prévio ao negócio, condições precedentes que permitam avaliar as condições efetivas da sua realização ou será dado como consumado sem mais? Pelo meio, o Governo anunciou também um plano de apoio aos media, para ser apresentado até ao final do ano. Seria trágico se fosse uma espécie de contrapartida para esvaziar o que deve ser uma discussão pública sobre este negócio, e em tempo útil.

O papel do Estado, nestas circunstâncias, é criar condições e incentivos para o investimento de capital nas empresas de comunicação social e também os incentivos aos leitores para pagarem pelas notícias que querem ler. A longo prazo, é fomentar uma literacia informativa exigente. As outras opções arriscam sempre criar dependências e intervenções que, no final do dia, acentuarão a desconfiança do mercado perante meios e jornalistas.

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