O 25 de Abril não passou pela Justiça
A Justiça precisa de mais atenção do poder político, da opinião pública e publicada, mas, acima de tudo, precisa de um verdadeiro “25 de abril” que a reforme, abra à sociedade e democratize.
Repetidos estudos[1] demonstram que a Justiça constitui um dos principais fatores de desconfiança dos portugueses, mas, também, dos estrangeiros que cá residem e/ou que procuram investir no nosso País, estando classificada, cronicamente, no fim da tabela de confiança.
Pilar fundamental de qualquer Estado de Direito Democrático, não soube (ou não quis) adaptar-se à modernidade do Século XXI, mantendo, inclusivamente, resquícios (formais e materiais) do Século XIX.
Somos um País que cronicamente negligencia as áreas de soberania, em detrimento dos vetores económicos e sociais, afinal de contas aquelas que justificam a existência de um Estado independente e soberano.
Por muitos (e graves) problemas estruturais que subsistam no Portugal de 2022, comparar a evolução que aconteceu, particularmente desde o 25 de abril de 1974, em setores como a Educação, a Saúde, ou até mesmo no funcionamento da “máquina fiscal”, com o marasmo em que se encontra “petrificada” a nossa Justiça, deverá envergonhar-nos a todos, enquanto cidadãos. E, como quase sempre na vida, há responsáveis (diretos e indiretos), causas e consequências.
Desde logo, repetidos diagnósticos, feitos pelos mais diversos intervenientes do setor apontam para a crónica falta de meios, humanos e materiais. Não poderia estar mais de acordo. Contudo, será esta a única área onde faltam recursos no nosso País? Como ensina a boa teoria económica, os recursos são sempre escassos, daí terem de ser bem geridos.
Porque será então que os restantes setores conseguem concretizar reformas (mesmo com a escassez de recursos) e a Justiça, que conta com a maior representatividade dos seus profissionais em todos os “círculos de poder” não o consegue fazer?
Serão os Magistrados assim tão mal pagos, face à realidade nacional e mesmo europeia? Porque será então que mal entram na “carreira”, como brilhante e recentemente escreveu a Procuradora Jubilada Maria José Morgado no Jornal Público, se entendiam e pretendem – quase – a todo o custo – um cargo, fora da Magistratura, que lhes proporcione carro, telemóvel e motorista?
A Justiça enfrenta hoje um conjunto de desafios que deverão ocupar os decisores políticos (e não apenas os magistrados, tão ciosos da sua independência) uma vez que esta deverá ser administrada por aqueles sempre em nome do povo.
Por um lado, a lógica seletiva e formativa do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) terá de ser repensada, no sentido da abertura à sociedade civil e aos restantes operadores judiciários, que se traduza, acima de tudo, numa efetiva mudança de mentalidade à saída de muitos dos Auditores, futuros Magistrados.
Por outro lado, havendo (alegadamente) falta de Magistrados nos Tribunais, os Estatutos das Magistraturas (Judicial e do Ministério Público) deverão ser alterados, no sentido de impedirem o atual sistema, vexatório para o País e para a Justiça, de “portas giratórias” permanentes entre os Tribunais, cargos governativos, de direção policial e/ou políticos, em violação clara do Princípio da Separação de Poderes, assente há mais de três séculos por Montesquieu. Claro que a ninguém poderá ser vedado o direito de participação cívica ou política (nos termos previstos na Constituição), contudo, como sustenta, e bem, a própria Associação Sindical dos Juízes Portugueses, quem sai para um cargo político não deverá poder voltar à Magistratura.
E, por fim, o escrutínio (ou ausência dele) e a responsabilização por erros grosseiros dos Magistrados. Ao invés de todos os setores da sociedade, altamente escrutinados (e bem) em Democracia, com a Magistratura persiste a cultura da opacidade, do corporativismo e da ausência de escrutínio. Estranhamente, os partidos que – sistematicamente – se auguram de defensores do “espírito de abril” são os que menos exigem reformas neste setor tão fundamental para o País, curioso, no mínimo.
A Justiça precisa de mais atenção do poder político, da opinião pública e publicada, mas, acima de tudo, precisa de um verdadeiro “25 de abril” que a reforme, abra à sociedade e democratize, porque só assim teremos um País mais próspero, moderno e atrativo.
[1] Vide https://www.deco.proteste.pt/familia-consumo/orcamento-familiar/noticias/instituicoes-empresas-portugueses-confiam-mais/ranking-das-instituicoes – último barómetro DECO Proteste, divulgado em outubro de 2021.
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