O bebé e a água do banho

O regime de privilégio fiscal de certas profissões de alto valor acrescentado contribui para isso, não deitemos este bebé pela janela.

Que bebé?

A decisão de acabar com o regime fiscal dos residentes não-habituais (RNH) gera acesa controvérsia. Por detrás racionalizações pró e contra, escondem-se, com o rabo bem de fora, lógicas políticas e económicas: de um lado, a crítica ao capitalismo global (integrando também, agora, o ativismo climático) e, de outro, os interesses dos promotores imobiliários de luxo.

O regime fiscal dos RNH é discriminatório e injusto. Numa sociedade liberal e justa a promoção deliberada da desigualdade só se justifica para tentar prosseguir um bem maior que beneficie o maior número de cidadãos. Duvido muito que a “perda de embaixadores de Portugal”, o país deixar de “estar na moda” ou o investimento estrangeiro consigam justificar a desigualdade. Em qualquer destes casos os efeitos são mais conversa do que realidade, estando por demonstrar o seu real retorno social.

Tal como os ativistas e os promotores imobiliários, a minha posição nesta matéria também tem interesses ocultos. Tratam-se dos interesses da academia, ciência e cultura; academia, ciência e cultura de qualidade internacional. Para além dos reformados estrangeiros (cujo destino pouco de importa), o regime fiscal de RNH aplica-se a profissionais em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico e técnico.

Ao abrigo deste regime (taxa única de 20% durante 10 anos, as mais dinâmicas instituições académicas e científicas têm sido capazes de atrair professores e investigadores estrangeiros de craveira internacional. Sem esse regime de exceção, temo que os baixos salários brutos nacionais dificultem essa capacidade de atração.

A fuga de talento debilita a economia e empobrece todos – ricos, remediados e pobres. Um dos meios de mitigar os efeitos dessa sangria é atrair talento estrangeiro para Portugal, apostando numa espécie de globalização do capital intelectual. O regime de privilégio fiscal de certas profissões de alto valor acrescentado contribui para isso, não deitemos este bebé pela janela.

A habitação e os RNH

O impacto dos RNH no mercado da habitação é um tema muito debatido (e está na base de muitos argumentos a favor do fim do regime fiscal especial para RNH). Uns dizem que aumentando a procura, e dada a débil oferta, os preços sobem (78% desde 2013, descontada a inflação). Outros contra-argumentam que a habitação não é homogénea e que a procura por parte dos RNH se limita a segmentos não acessíveis ao cidadão médio.

Não creio que a procura de casa por RNH explique significativamente a crise da habitação. Mas o argumento que, por a procura dos RNH se dirigir a segmentos de luxo, não tem efeitos de contágio noutros segmentos do mercado parece-me hipócrita. Essa procura enviesa o tipo de oferta de novos fogos: se não existisse a procura forte por casas de luxo, existiriam menos recursos dedicados à sua construção, recursos que poderiam ser investidos em construções noutros segmentos mais acessíveis. É procura que gera a oferta.

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