O bom, o mau e a Inteligência Artificial

  • Inês Sequeira
  • 1 Agosto 2023

Terão de ser os empreendedores, que não têm medo de arriscar e que são verdadeiramente ágeis, que podem imaginar e criar soluções que realmente nos ajudem a resolver problemas sociais com ajuda da IA.

Se existe uma tendência na sociedade cada vez mais comum é a de que tendemos cada vez mais a ser maniqueístas. A necessidade constante de conceber a realidade ou o mundo sob um ponto de vista dualista, com dois princípios opostos. Ou se é bom ou se é mau… vivemos numa sociedade que tende a ver poucas nuances.

Os algoritmos utilizados em redes sociais como o Facebook, nada mais fazem do que “explorarem” essa mesma tendência para incentivarem mais visualizações. Assim temos uma sociedade virtual e real, cada vez mais polarizada, em que vamos sendo manipulados através de visualização de conteúdos muitas vezes falsos, que exploram emoções negativas, como o medo, para criarem uma maior desconfiança nas pessoas. O resultado é que estes algoritmos estão na realidade a criar um engagement para conteúdos negativos, pelo que é necessário criar soluções que façam exatamente o oposto, não incentivando emoções negativas mas sim explorando as positivas, fomentando valores diferentes, como a confiança, a transparência e a inclusão.

A eterna questão é: como será o mundo daqui a 50 anos? Estamos a tentar salvar o Planeta das alterações climáticas, e também estamos a deixar espaço para a Inteligência Artificial (IA) ditar o futuro dos próximos anos, sem que estejamos a pensar em possíveis resultados. Cabe-nos a nós, por isso, alimentar a IA com dados positivos para criar repercussões positivas. O nosso futuro vai depender da forma como prepararmos a chegada da Inteligência Artificial em massa.

Yuval Harari, autor do best-seller “Sapiens: uma breve história da humanidade” na sua visita à Fundação Manuel dos Santos, descreveu a IA como a primeira tecnologia totalmente capaz de criar ideias novas, ameaçando o mundo como o conhecemos e os sistemas democráticos. Na sua perspetiva é fundamental que os governos ganhem tempo, criando regulação de forma a garantir que depois não seja tarde demais.

Apesar de concordar que é fundamental a regulação, penso que não será suficiente uma vez que na história da inovação: a realidade tem sido sempre mais rápida a impor-se do que a regulamentação, pelo que terão de ser os empreendedores que não têm medo de arriscar e que são verdadeiramente ágeis que podem imaginar e criar soluções que realmente nos ajudem a resolver problemas sociais com ajuda da IA.

Num mundo cada vez mais globalizado e acelerado precisamos cada vez mais de dois níveis de pessoas: os que pensam e investigam, e os que agem e criam com agilidade, ou seja, os fazedores e os empreendedores, que correm riscos e inovam.

Precisamos de explorar o impacto da tecnologia e da IA em particular em prol de outcomes positivos, o que passa por promover a democracia, criando soluções éticas de IA.

Nos dias de hoje, as gerações mais novas vivem uma descrença nos sistemas políticos e no status quo; e como não? A verdade é que vivemos num mundo com sistemas políticos criados no séc. XVIII e temos instituições instauradas no séc. XIX, e tecnologia do séc. XXI.

Assim, para encontrar soluções para este difícil puzzle em que nos encontramos, a IA pode desempenhar um papel fundamental ao aproximar estas gerações de uma democracia sólida e ajudar a tomar decisões informadas, com dados baseados na verdade, promovendo o engagement e a participação, por exemplo, através de chatbots e assistentes virtuais que podem fornecer informações sobre eleições, políticas públicas e processos democráticos, facilitando o acesso das pessoas a essas informações e incentivando a sua participação ativa.

Os algoritmos podem analisar grandes conjuntos de dados, identificar padrões e tendências, e fornecer insights valiosos para apoiar a formulação de políticas públicas e a resolução de problemas complexos, com promoção da transparência e da responsabilidade governamental. Os sistemas de IA podem ainda ajudar na deteção de fraudes, corrupção e mau uso de recursos públicos, fornecendo uma supervisão automatizada e contínua, e melhorando os serviços públicos de atendimento automatizado que podem reduzir a burocracia e agilizar o acesso aos serviços governamentais.

Considerando que o ponto de inflexão não é a tecnologia que estará disponível a um custo tendencialmente baixo e massificado. O que fará a diferença no futuro serão os dados com que teremos de alimentar e treinar as nossas máquinas. E as empresas e organizações que melhor se prepararem para essa etapa serão aquelas que melhores resultados terão.

Stephen Hawking, num artigo de 2014, já teorizava sobre as oportunidades, e não os perigos, que a IA representa, se não deixássemos que crescesse mais rápido do que nós e estivéssemos preparados para a sua evolução. Precisamos que haja quem pense e crie regulação, como também precisamos que haja quem ponha o mercado a funcionar. A regulamentação, como a Europa sugere, é fundamental, mas é igualmente importante que se abra o caminho para descobrir, para testar, para que se possa realmente direcionar a IA para trazer repercussões positivas para as pessoas e para o Planeta.

Devemos, pensar numa estratégia global articulada (que pode ter na sua base algumas ideias da The Summit for Democracy que uniu mais de 60 países em torno do avanço desta tecnologia em prole da sobrevivência da democracia, para que se possa trabalhar e antecipar minimamente os avanços da IA e para que o seu futuro seja uma oportunidade e não uma ameaça.

Trazer medidas que possam de facto contribuir para que a tecnologia ajude a transformar a realidade num mundo melhor, como por exemplo; estudar a fundo a IA e o seu potencial, criando laboratórios de investigação para testar novas soluções baseadas no conhecimento, contratar data scientists para trabalharem na administração pública para ajudar na transformação da mesma, lançar desafios aos empreendedores e inovadores, à semelhança do “Tech4democracy” que foi lançado pelo Carnagie Endowment for International Peace, para que as startups criem soluções que contribuam para salvaguardar os valores democráticos.

É por isso que acredito que o caminho deve ser semelhante aos que trilhamos na Casa do Impacto – que capacita pessoas com talento e o propósito para criarem soluções, para problemas societais tais como atenuar as desigualdades ou as alterações climáticas. Não basta regular, temos de fomentar e direcionar a tecnologia para as questões éticas, e os empreendedores de impacto, pelo seu ADN e pelo facto de já se preocuparem com questões do planeta e pessoas, podem e devem ter um papel de relevo na utilização e teste destas tecnologias.

Tal como Stephen Hawking sublinhou, devemos aprender e abraçar uma mudança positiva com IA, estudando a sério e criando laboratórios de investigação para testar novas soluções baseadas no conhecimento. Trazer as novas gerações para a criação de soluções tecnológicas para a preservação dos valores democráticos é uma causa tão urgente como a das alterações climáticas. Assim haja a capacidade de fazê-lo e a IA poderá ser algo incrível.

  • Inês Sequeira
  • Diretora da Casa do Impacto - Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

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