O combate à iliteracia financeira não precisa de mais planos, mas de ações

É preciso e urgente apostar na literacia financeira dos portugueses. E isso não acontece com mais inquéritos, planos e estratégias. É necessário passar das palavras às ações já.

Desde 2010 foram realizados quatro inquéritos à literacia financeira dos portugueses. O último foi feito no ano passado pela OCDE e publicado em abril deste ano, que culminou no lançamento da Estratégia de Literacia Financeira Digital para Portugal, promovida pelo Banco de Portugal.

Em cima destes trabalhos, foram promovidos três planos quinquenais de promoção da literacia financeira pelos três supervisores do setor financeiro – Banco de Portugal, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) – e tantos outros relatórios secundários pelo meio.

Visto assim, parece que a Literacia Financeira tem marcado a agenda do Banco de Portugal e de todas as entidades públicas associadas ao tema. Mas, na prática, muito pouco se tem feito para melhorar os conhecimentos financeiros da população. É isso que mostram recorrentemente os resultados de todos os estudos feitos sobre a matéria.

Se no primeiro inquérito, realizado há 13 anos, era notado que os portugueses evidenciavam “importantes lacunas na compreensão de conceitos financeiros básicos e no conhecimento das principais fontes de informação”, destacando os idosos e os jovens como os grupos etários com os mais baixos níveis de literacia financeira, as conclusões do último inquérito não são diferentes.

O inquérito da OCDE, publicado em abril deste ano, revela que menos de metade dos utilizadores da internet consegue responder corretamente à maioria das perguntas relativas a conhecimentos financeiros digitais. Além disso, volta a identificar os jovens e os idosos como os grupos prioritários para a implementação de uma política de literacia financeira.

O escrutínio da iliteracia financeira dos portugueses ao longo de todos estes anos tem sido notório. Estudo após estudo confirma-se o que já se sabe. Falta o mais importante: passar das palavras aos atos. Veja-se, por exemplo, o que a CMVM prevê em matéria de literacia financeira no seu Plano Estratégico para o triénio 2022-2024. Nesse documento, o regulador do mercado de capitais tem como objetivo realizar uma “reflexão sobre o papel da CMVM na promoção da literacia financeira.”

A Estratégia de Literacia Financeira Digital para Portugal, que será implementada até 2028, também está repleta de reflexões, mobilizações, ponderações, sensibilizações, cooperações e incentivos, mas de muito poucas ações. A base deste documento é a mesma que foi traçada em todos os Planos Nacionais de Formação Financeira. Parece que, mais uma vez, tal como no passado, o fio condutor do combate à iliteracia financeira centra-se num filosofar sobre a descoberta de uma poção milagrosa capaz de resolver todos os problemas.

É preciso mudar este círculo vicioso. É necessário arregaçar as mangas e passar das palavras às ações. E não é preciso reinventar a roda para combater a iliteracia financeira. É, sobretudo, preciso querer mudar. É isso que têm demonstrado algumas das escolas do país, como o Agrupamento de Escolas do Paião e o Agrupamento de Escolas do Cadaval, promovendo projetos extraordinários aos seus alunos na promoção da literacia financeira ao longo dos últimos anos.

É preciso olhar para o que de melhor se faz lá fora, como sucede na Finlândia, no Reino Unido, em Israel ou na Austrália, que apesar de não terem um plano nacional de literacia financeira estão entre os países com maiores índices de literacia financeira. Nestes países, mais do que promover o conhecimento financeiro, as iniciativas desenvolvidas são focadas numa linguagem e em ações capazes de gerar mudanças comportamentais, que possam provocar impacto nas finanças pessoais.

É preciso massificar o conhecimento sobre a gestão do dinheiro às pessoas, como reconhece o Banco de Portugal. Mas é crucial que a informação seja passada pelos meios e forma mais adequadas ao público-alvo. Distribuir flyers e brochuras pelas escolas é importante, mas não chega. Promover conceitos de poupança e investimento recorrendo a exemplos práticos do dia-a-dia dos jovens são bem capazes de ter mais aderência do que recorrer a metáforas e analogias com a história de Portugal.

É preciso que o Banco de Portugal e as restantes instituições estejam presentes onde tantos outros promovem conteúdos de literacia financeira – e tantas vezes de forma errónea. É preciso estarem mais presentes nas escolas, nas redes sociais, nas rádios, nos programas de televisão da manhã e da tarde. É preciso trabalharem diretamente com associações de reformados e associações cívicas, na promoção da literacia financeira aos mais velhos. É preciso e urgente trabalharem com organizações não governamentais, associações sociais e outras entidades que apoiem a população mais vulnerável, para ninguém ficar de fora. É preciso ir ter com as pessoas e não esperar que sejam somente elas a procurarem informação.

Por que não colocar em marcha uma campanha nacional com foco na literacia financeira semelhante à que foi promovida na década de 2000 por parte da Sociedade Ponto Verde, que levou a reciclagem à casa de todos os portugueses e revolucionou o tratamento do lixo por parte de miúdos e graúdos?

Mas é também crucial garantir qualidade dos conteúdos, para evitar abusos e fraudes por parte dos mal-intencionados. E, nesse ponto, há que parabenizar o Banco de Portugal que colocou entre as cerca de 40 medidas da sua Estratégia de Literacia Financeira Digital para Portugal a intenção de criar “uma base de dados ou de um registo facilmente acessível e centralizado de entidades fidedignas que fazem formação financeira digital, iniciativas de confiança por tema e público-alvo.”

E, não menos relevante, é também necessário e urgente promover uma maior transparência na disponibilização de dados e informação sobre produtos financeiros, para que os investidores possam tomar decisões mais informadas – ações em que os reguladores têm um papel crucial.

É notório que há muito por fazer no combate à iliteracia financeira, como reconheceu Mário Centeno na apresentação do último plano de promoção à literacia financeira do banco central. No seu discurso, o governador do Banco de Portugal pede a “colaboração de todos”, sublinhando a necessidade de “contar não só com os seus habituais parceiros, mas também com novos parceiros.”

Uma população mais esclarecida e mais informada é meio caminho para uma economia mais sustentável e mais sólida. E é por isso que a literacia financeira é tão importante. Mas se continuar a ser usada como um mero slogan para promover a sustentabilidade de governação das empresas junto dos seus trabalhadores ou como um mero elemento de preocupação dos reguladores, nada acontecerá.

A Literacia Financeira deve e tem de ser assumida como uma prioridade de todos.

 

Texto incluído na edição de 18 de maio da newsletter de finanças pessoais do ECO Portefólio Perfeito que pode subscrever através deste link.

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