Editorial

O Governo está para durar (se não fizer disparates)

Fechou-se um ciclo eleitoral com as europeias, que deram uma vitória marginal do PS, poucochinha para quem apostava na queda do governo no Orçamento para 2025.

Passaram-se semanas a discutir se os resultados das eleições europeias de 9 de junho, três meses depois das legislativas que deram uma vitória mínima à AD, teriam impacto nacional, como se este ato eleitoral não fosse, ele próprio, nacional. Chegaram os resultados e a primeira e mais importante conclusão foi mesmo essa, a de que a vitória mínima do PS torna arriscado ou até irresponsável uma crise política com o chumbo do Orçamento para 2025, que será conhecido em outubro. O Governo está para durar (se não fizer nenhum disparate), e quem o mandar abaixou vai pagar caro essa estratégia.

As eleições europeias valem por si, e este ano em particular, com uma guerra na Europa que os democratas, os que defendem os valores das democracias liberais não podem permitir que se transforme numa derrota (isto é para os que andam a defender a paz, como se ela pudesse ser decidida sem a última palavra dos ucranianos). Uma primeira fase de campanha em que se discutiu a Europa, uma segunda fase da campanha centrada na política interna, e com um enorme envolvimento do primeiro-ministro e do Governo. É isso que nos traz também a esta conclusão, o Governo está para continuar.

Há vencedores, e há derrotados. Comecemos por estes últimos.

O Chega e André Ventura são o principal derrotado da noite, perderam de forma copiosa, e não foi apenas por causa de um cabeça-de-lista impreparado — apesar do seu percurso na diplomacia –, deslocado, sem qualquer perfil para liderar uma lista a eleições europeias, ou a quaisquer outras. O principal derrotado foi Ventura, que ainda há três meses tinha garantido 50 deputados e 18% de votos nas legislativas. Deu um trambolhão para metade. Porquê? Um partido que se fez de protesto contra os socialistas, contra oito anos de governo, dificilmente poderia ser beneficiado por uma espécie de aliança com o PS nestes três meses de governo. O populismo, o oportunismo, a mentira, foram derrotados. Mas também é preciso notar que a elevada abstenção pode ter sido particularmente negativa para o Chega, quando foram os que saíram do sofá a darem o resultado das legislativas.

O outro grande derrotado é Rui Tavares, que tudo fez para contribuir para a não eleição do cabeça de lista do Livre. Ganhou a sua aposta, Paupério falhou a eleição, mas expôs o que já se tinha percebido, falta de caráter (sim, é uma palavra bem medida), é um líder que, como Ventura, ou talvez mais ainda, quer ter um partido unipessoal, para a sua agenda particular, e que não tem nada de verde.

Catarina Martins e João Oliveira saem destas europeias com aquelas derrotas que anunciam como vitórias. Não são, o BE e a CDU perderam votos, perderam eurodeputados, o esvaziamento dos dois partidos e o caminho para uma irrelevância, mas desta vez o cabeça-de-lista do PCP conseguiu mesmo reforçar ligeiramente os votos nas legislativas.

E os vencedores?

Pedro Nuno Santos é um dos vencedores da noite, claro. A escolha de Marta Temido foi de enorme risco, pelo estado do SNS e por um caso, o das gémeas, que afetou o secretário de Estado Lacerda Sales, pelo manifesto desconhecimento do que é a União Europeia, pela decisão de deixar um europeísta convicto, Francisco Assis, no número dois da lista. Por um se ganha, por um se perde. A vitória é poucochinha, sim, perdeu um deputado face aos nove anteriores, e sobretudo quando à sua esquerda há uma derrocada. Ainda assim, ganhou, e percebeu o que lhe disseram os eleitores: Prepare uma alternativa para ir a eleições, mas a prazo, não a curto prazo, e foi isso que disse. O secretário-geral do PS anunciou os Estados Gerais para os próximos meses, ou seja, prepara-se para deixar passar o orçamento (mas convém que não continue com a estratégia de pressão alta no Parlamento, sob pena de ir mais cedo a eleições do que desejaria).

João Cotrim Figueiredo, obviamente. Colou a Iniciativa Liberal ao Chega, elegeu dois deputados, cresceu em percentagem e votos. Estava bem preparado, sabia o que queria, fez a melhor campanha para estas europeias, não precisou do seu líder, Rui Rocha, para afirmar os liberais. Ganharam os moderados.

Luís Montenegro perdeu, mas ganhou. A escolha de Sebastião Bugalho também foi de risco, não exatamente pela falta de conhecimento ou competência, ficou provado, aliás, exatamente o contrário, mas pela inexperiência política, e até por uma mais do que previsível rejeição de uma classe jornalística que revelou muita inveja pela ascensão meteórica de um jornalista que, assumidamente de direita, conservador e católico, desalinha do que se vê nas redações. Bugalho fez uma boa campanha, reforçou muito a votação do PSD em percentagem face a 2019, e talvez o seu único erro grave foi a forma como entrou no tema da interrupção da gravidez, que depois corrigiu mas serviu para o ataque da esquerda. Bugalho perdeu, sim, mas acabou por superar a sua própria meta de 29%.

O Governo também apostou forte nestas eleições, isso é inquestionável. Teve iniciativa política, envolveu-se, porque Luís Montenegro sabia que uma vitória clara do PS mudaria a dinâmica política no país. Daí os sorrisos no final da noite, depois de uma derrota. Foi uma derrota com sabor a vitória, que serve para suportar um Governo e uma AD que, ao contrário do PS, tem dois partidos com peso eleitoral (mas convém que negoceie mesmo medidas no orçamento, e não deixe que se instale a ideia de arrogância política).

E o que se passou na Europa?

Temia-se o pior, mas as três famílias europeias que lideram a União Europeia, isto é, o PPE, os Socialistas europeus e os liberais têm uma maioria confortável e por isso, excetuando o caso francês (Macron marcou legislativas antecipadas), há condições políticas para manter as políticas mais relevantes, especialmente o apoio inequívoco à Ucrânia na guerra contra a Rússia.

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