O impacto da “Lei Travão”

  • Victor Meira Cruz
  • 21 Novembro 2022

Urge fortalecer a aposta no alargamento do parque público e tomar medidas que possam verdadeiramente mobilizar e envolver o setor privado.

Foi publicada em 21 de outubro a Lei n.º 19/2022, que fixa em 1,02 o coeficiente de atualização anual de renda dos diversos tipos de arrendamento urbano e rural, a vigorar para o ano civil de 2023, o que corresponde a um teto máximo de aumento de 2%, salvo obviamente estipulação diversa entre as partes. Sem a adoção desta chamada “Lei Travão” para mitigar os efeitos da inflação no custo de vida dos portugueses, os senhorios poderiam subir as rendas até 5,43%, de acordo com o coeficiente de atualização anual de renda estabelecido nos termos legais. Para compensar os proprietários, foram concedidos benefícios fiscais, com reduções em sede de IRS ou IRC, consoante o caso, que serão aplicadas de forma automática. Estes benefícios traduzem-se na prática na aplicação de coeficientes que garantem uma exclusão da base de tributação. Esta medida abrange os contratos de arrendamento anteriores a 1 de janeiro de 2022 e que correspondem a cerca de 900 mil dos 923 mil contratos de arrendamento registados junto da Autoridade Tributária, de acordo com os dados do INE. Os proprietários que assinaram contratos de arrendamento em 2022 não terão direito a estes benefícios fiscais por se considerar que os valores acordados já refletem valores atualizados de acordo com a taxa de inflação. De referir que os contratos do programa “arrendamento acessível” também não serão alvo de apoios fiscais, por existirem outro tipo de benefícios associados.

Este regime tem inevitavelmente repercussões no mercado de arrendamento, estando em causa a circunstância de associações de inquilinos e empresas de mediação imobiliária reportarem que alguns senhorios, optam por não renovar os contratos de arrendamento, preferindo celebrar novos contratos com condições mais vantajosas. As rendas dos novos contratos de arrendamento celebrados no 3º trimestre de 2022 em Lisboa e no Porto aumentaram 10% em relação ao trimestre anterior, de acordo com dados de um estudo da Confidencial Imobiliário. Num mercado caracterizado por ter muita procura e pouca oferta, e condicionado pela espiral inflacionista, questiona-se a existência de um verdadeiro nexo de causalidade entre a referida “Lei Travão” e o aumento do preço das rendas. Neste contexto, parece inevitável que os senhorios procurem refletir no preço final a cobrar ao inquilino a diferença que não podem cobrar diretamente pela atualização real de 5,43%, nem por via dos apoios fiscais concedidos.

Posto isto, três semanas após a publicação da Lei º 19/2022, o governo admite a possibilidade de aplicar o limite de 2% para o aumento de rendas em 2023, aos novos contratos de arrendamentos, “com base nos preços dos contratos anteriores” nas palavras do Ministro das Infraestruturas e Habitação. Desconhecendo-se os detalhes das intenções do Governo, parece-nos que qualquer medida que venha a ser tomada relativamente aos novos contratos de arrendamento poderá suscitar questões quanto à sua constitucionalidade, considerando que estará em causa excluir ou impor restrições ao princípio da autonomia privada, na vertente da liberdade contratual, que goza de dignidade constitucional. Este aumento verificado no valor das rendas surge num contexto de pressão inflacionista e de aumento significativo das taxas de juro no crédito à habitação, o que poderá contribuir para colocar os potenciais inquilinos, que andam à procura de casa, numa situação ainda mais desprotegida, num mercado de arrendamento com uma oferta deficitária. Do outro lado, esta situação traz insegurança aos investidores que receiam ter de suportar os custos do contexto e reclamam previsibilidade fiscal. Neste quadro, face às manifestas necessidades de habitação que o país atravessa, urge fortalecer a aposta no alargamento do parque público e tomar medidas que possam verdadeiramente mobilizar e envolver o setor privado.

  • Victor Meira Cruz
  • Advogado responsável do departamento Jurídico da IAD Portugal

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