O potencial de utilização das ações estruturais

  • Sandra Jesus
  • 30 Setembro 2024

O potencial das ações estruturais revela-se com particular destaque em áreas essenciais como a saúde pública, a educação ou o ambiente.

No âmbito da tutela coletiva, as ações estruturais são um instrumento que apresenta um potencial considerável para dar resposta a problemas sistémicos e promover mudanças duradouras na medida em que visam corrigir falhas estruturais que acarretam a violação de direitos em larga escala conduzindo, a final, a uma verdadeira transformação estrutural distinguindo-se dos litígios tradicionais, focados na resolução de conflitos «individuais».

O potencial da utilização das ações estruturais leva-nos a refletir acerca da razão pela qual o recurso a este meio não surge ainda, no nosso ordenamento, como uma resposta clara na definição de uma estratégia processual que vise acautelar o interesse da comunidade.

As ações estruturais surgiram na segunda metade do século XX, nos EUA com o registo da primeira ação estrutural a ser atribuído ao caso Brown vs Board of Education of Topeka, em 1984, no qual foi declarada a inconstitucionalidade do sistema de segregação racial nas escolas públicas que determinou o início de um processo de mudança do sistema público de educação.

Este tipo de ações destina-se a resolver questões coletivas, exigindo a reforma das estruturas e práticas institucionais procurando a implementação de mudanças abrangentes que cessem (ou mitiguem) as violações de direitos e assegurem o respeito e cumprimento desses direitos. Está em causa um modelo de ação coletiva que visa implementar uma reforma estrutural numa organização, concretizar um direito fundamental, realizar uma política pública ou resolver litígios complexos.

Em Portugal, o nosso ordenamento prevê meios que podem ser utilizados para ações de tutela estrutural, nomeadamente as ações populares e as ações administrativas especiais que visam, precisamente, dar um meio aos cidadãos para efetivar a proteção e garantia dos direitos fundamentais consagrados na Constituição e proporcionam, nessa medida, meios para a sociedade civil e as instituições públicas poderem intervir em casos de violações sistémicas de direitos fundamentais.

O potencial das ações estruturais revela-se com particular destaque em áreas essenciais como a saúde pública, a educação ou o ambiente – por exemplo, a instauração de uma ação estrutural que forçasse a um investimento na criação de centros de saúde em regiões mais desfavorecidas de modo a assegurar um acesso a cuidados de saúde de qualidade pela população.

Equiparável ao enorme potencial das ações estruturais são os desafios que esta forma de tutela coletiva acarreta.

Com efeito, a implementação das decisões que venham a ser tomadas pelos tribunais pode revelar-se complexa ao exigir a coordenação de várias entidades e níveis de governo com a inerente resistência das instituições e agentes envolvidos.

Outro grande desafio das ações estruturais passa pela falta de precedentes e know-how na condução de tais ações que acarretam uma dificuldade acrescida no recurso a este meio. É, pois, essencial que os agentes da justiça, incluindo juízes, procuradores e advogados estejam sensibilizados e capacitados para a relevância e para as particularidades deste tipo de ações.

A verdade é que o uso estratégico das ações estruturais pode conduzir a uma transformação conducente a um maior respeito e garantia dos direitos fundamentais, tendo potencial para se tornar numa ferramenta indispensável para a promoção de mudanças estruturais (ou sistémicas) que visem, ultima ratio, alcançar uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável.

  • Sandra Jesus
  • Sócia da Caiado Guerreiro

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