Editorial

O PREC na habitação

O plano tem o nome pomposo de 'Mais Habitação', mas o nível de intervenção pública só poderá resultar precisamente em mais desequilíbrios no mercado habitacional e particularmente do arrendamento.

António Costa tinha anunciado há semanas um conselho de ministros extraordinário dedicado à habitação, e esperava-se um plano consistente, previsível, que tivesse uma visão estratégica de longo prazo na oferta de imóveis e que criasse condições de confiança aos investidores, aos grandes e aos pequenos, aos proprietários individuais e, claro, aos que precisam de ter acesso a habitação a preços que podem pagar. Ao contrário, o que saiu foi um plano de ataque à procura, especialmente associada ao turismo, e uma intervenção pública sem precedentes para formar os preços dos imóveis. Um PREC da habitação. Depois de sete anos de falhanço na política de habitação, este plano será uma espécie de cadafalso que vai condenar especialmente aqueles que diz querer defender, os que não têm rendimentos para um mercado imobiliário desequilibrado.

Neste plano, o Estado fará um pouco de tudo. Agora é que vai mesmo construir, mas também será uma espécie de Remax pública, vai comprar, vai vender, vai arrendar, vai subarrendar, vai substituir-se aos inquilinos no pagamento de rendas em falta, vai executar os que estiverem a litigar de má-fé, vai expropriar para arrendar, vai reembolsar os expropriados das rendas que tiver a receber deduzidos das obras que vier a realizar, vai bonificar, vai inspecionar. Uffa… Só faltou mesmo pôr o Estado a controlar as comissões de crédito dos bancos.

Era difícil fazer pior. À medida que o primeiro-ministro apresentava o plano de intervenção pública no setor da habitação — um exemplo gritante é anunciar que um setor de atividade que cresceu e dinamizou o mercado do turismo, o alojamento local, tem uma sentença de morte em 2030 –, mais parecia que estávamos a ouvir a líder designada do Bloco de Esquerda (e a ironia é que nem Mariana Mortágua ficou satisfeita com esta estratégia de confisco público). António Costa não deu resposta a nenhum dos problemas do setor, isto é, a necessidade de haver mais oferta habitacional, pública e privada, e criou uma enorme desconfiança junto dos que poderiam ser contribuintes ativos para resolver a falta de habitação no mercado.

Obviamente, entre tantas medidas, 16 em concreto, alguma haveria de ser positiva. Até os relógios parados acertam duas vezes por dia. Sim, o primeiro-ministro anunciou o objetivo de simplificar e acelerar o licenciamento de habitações, e também a redução da tributação autónoma em IRS para 25% ou apoios sociais na prestação mensal da casa. São medidas positivas, mas a desconfiança gerada por todas as outras só poderá ter uma consequência a prazo, mais ou menos curto: O desequilíbrio entre a oferta de casas no mercado e a procura não vai apenas manter-se, vai agravar-se. Não há proprietário que confie neste Estado (e neste Governo), que pouco faz para construir oferta pública — Costa anunciou o número louco de 400 imóveis em dois terrenos públicos — e cuja resposta passa basicamente pela requisição pública e por tirar imóveis do mercado privado e pô-lo no chamado mercado público.

Este plano não vai resolver problema nenhum, não vai servir para aumentar o número de imóveis no mercado. Não é por um primeiro-ministro garantir que o plano de intervenção pública vai aumentar a oferta que o mercado vai responder. No papel, tudo é possível, mas um quadro legal intervencionista não muda as leis da economia.

Há dois tipos de medidas que são particularmente gravosas dos direitos de iniciativa privada e de propriedade, que são deitados ao lixo. O Governo quer condenar um setor de atividade a prazo — e, cinicamente, não o faz imediatamente porque teria um problema social acrescido –, que é o Alojamento Local. E impôs uma ameaça sem precedentes a todos os que têm imóveis e que, por qualquer razão, muitas delas resultado direto de políticas públicas ou da falta delas, nomeadamente na justiça, não os põem no mercado. Se não o fizerem, o Estado vai expropriar. Será que António Costa acredita mesmo que estas medidas dão confiança a quem quer que seja? O fim dos ‘vistos gold’ dá um bom título de jornal — está já aliás no Financial Times desta manhã — mas é hoje sobretudo uma medida simbólica, ou inócua, como reconhecem os economistas consultados pelo ECO.

O plano, que Costa designa de ‘Mais Habitação’, vai agora para um mês de consulta pública. Com muitas mudanças anunciadas, mas sem objetivos quantificados em nenhuma das suas dimensões, o que também indicia a convicção do próprio Governo no seu sucesso. Ao PREC da Habitação, sobra a expectativa de que a discussão nas próximas semanas possa contribuir para amenizar a estado de sítio do setor. Mas o mal está feito, e vai ser difícil sair daqui.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O PREC na habitação

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião