O regresso de um velho slogan
Ideia de aumentar impostos para vencer a crise não é original, contradiz o discurso oficial de que não haverá austeridade e terá efeitos contraproducentes. Os impostos são sempre sobre os mesmos.
Sob o título “E se os impostos dos ricos pagassem a crise”, foram feitas considerações sobre as medidas de recuperação da crise. Defendem-se 3 ideias sedutoras, de lançamento de impostos que incidem apenas sobre os outros – os ricos e as multinacionais, mas de que todos beneficiaremos.
Primeiro, a dívida deveria ser paga por um imposto progressivo sobre as fortunas superiores a dois milhões de euros, ou seja: “os impostos dos ricos que paguem crise”.
Esta ideia faz-nos recuar aos idos anos setenta, quando o slogan “os ricos que paguem a crise”, se apresentava como solução da crise que levou a dois resgates: em 1977 e em 1983.
Fraca criação de riqueza e reduzida arrecadação de impostos levou-nos a isso. Os motivos são conhecidos: caos político, incerteza no futuro e um discurso “anticapitalista” que originou fuga de capitais.
A riqueza não deve ser vista como um mal, bem pelo contrário. É dela que vem o investimento, o emprego, o desenvolvimento e o bem-estar. O mal é a evasão fiscal.
O endividamento da nossa economia ascende a 724 MM€ repartido pelo Estado (44%), empresas privadas (36%) e famílias (20%). Com uma dívida 3,5 vezes superior ao PIB não se vislumbram tantos ricos em Portugal. A não ser que tributemos também os estrangeiros titulares da nossa dívida que, na prática, são os verdadeiros titulares da nossa cada vez mais escassa riqueza.
Desiludam-se os que pensam que existem muitos portugueses ricos e que um novo imposto sobre eles poderia pagar a nova dívida. Mais que um país de grandes capitalistas, somos um país de grandes devedores. A necessidade que o Estado vai ter de receita, converterá esse imposto dos ricos em mais um encargo sobre a classe média e os mais pobres, como sempre acontece.
A AT controla, especialmente, meia centena de grandes empresas e duas mil pessoas consideradas ricas, os quais pagam metade dos impostos cobrados pelo Estado. Muita da riqueza dessas pessoas é aplicada em investimentos empresariais e geram emprego.
Os impostos sobre as fortunas, que eram generalizados na Europa do pós-guerra, desaparecerem por efeito da competitividade fiscal internacional. Os capitais fogem dos impostos excessivos, pelo que, das duas uma, ou este novo imposto é criado em simultâneo em todos os países ou então quem o criar primeiro expulsa riqueza para o exterior. É isso que queremos?
O nosso problema não está na progressividade dos impostos sobre o rendimento ou na falta de impostos. Ambos existem. O que falta é controlo na despesa pública e bases tributárias amplas. Metade da população não paga IRS e metade das empresas não paga IRC. Podemos combater a evasão fiscal, o que não podemos permitir é que as bases tributárias se reduzam mais.
A nossa capacidade de endividamento esgotou-se. A alternativa é recorrer ao investimento externo para gerar riqueza. Mas para o atrairmos precisamos de ser competitivos. Não podemos é atrair riqueza do estrangeiro e depois, sem mais, criar impostos que a discriminem e que os outros não têm, porque já sabemos o que acontece a seguir. No mercado de livre circulação de capitais que é a UE, não nos admiremos que mais empresas nossas se desloquem para outros países.
Um dos fatores de competitividade são os impostos. Independentemente das restrições ideológicas de alguns, a verdade é que teremos, inevitavelmente, de baixar as taxas de IRC.
No recente livro “Uma reforma fiscal para a prosperidade”, os autores demonstram, com evidência científica, que essa medida produz um efeito imediato de aceleração do crescimento económico. Demonstra, também, que após uma quebra inicial, a receita de IRC recupera de imediato e as do IRS e do IVA são alavancadas.
Esta reforma já não é uma questão de opção, mas de timing. Falta saber se ainda iremos a tempo de atrair capitais estrangeiros ou a faremos apenas para evitar que os nossos capitais saiam do país. Poder-se-á questionar, nesta fase, se será possível conduzir uma reforma desta magnitude. Sim, é possível. Foi sempre na crise que fomos capazes de nos erguer.
Defende-se também, no mesmo artigo, o combate aos paraísos fiscais, ao planeamento fiscal, à erosão das bases tributáveis.
Em situações de crise, estas questões são trazidas à discussão, sendo apresentadas soluções simplistas.
Ao contrário de outras situações de evasão fiscal, estas realidades envolvem soberanias fiscais e interesses distintos. A sua resolução está condicionadas à vontade dos estados.
Os casos icónicos do Swissleaks, do Panamá Pappers, da Lista Lagarde e tantos outros, produziram resultados em receitas fiscais recuperadas cujo fracasso só é comparável ao estrondo com que foram lançados na opinião pública. Está provado que este problema não se combate nas suas consequências, mas nas suas causas. E a principal causa são as nossas taxas altas de IRC. É o facto de termos a segunda taxa mais alta da UE que elevou as transferências de riqueza de Portugal para paraísos fiscais para níveis insuportáveis de cerca de 5% do PIB em cada ano. Isto num país com níveis máximos de endividamento.
Quanto ao imposto sobre as plataformas digitais, ninguém pense que serão elas a suportá-lo. Serão sempre os cidadãos, e neste caso os seus consumidores, ou seja, o imposto sobre as grandes tecnológicas é, afinal, um imposto sobre cada um de nós, porque quem paga os impostos sobre as empresas são, em geral, os consumidores. Basta olhar para a fatura da eletricidade e ver quem suporta as taxas e impostos criados para serem pagos pelas empresas.
A ideia de aumentar impostos para vencer a crise não é original, contradiz o discurso oficial de que não haverá austeridade, terá efeitos contraproducentes originando fuga de capitais e acabarão por recair na classe média, nos mais pobres e nos consumidores. Será o mesmo de sempre. Os impostos sobre os outros são sempre impostos sobre os mesmos. O que é necessário é uma reforma que amplie as bases tributáveis.
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