Editorial

O regular funcionamento de um Governo

A demissão de Pedro Nuno Santos é a gota de água que faz transbordar o copo, é uma crise política de larga escala e a evidência de que o país não tem um Governo em funções.

A Constituição identifica o “regular funcionamento das instituições” como uma razão para a destituição política, e o que está agora em causa é mesmo o regular funcionamento do Governo que coleciona demissões, casos e desgoverno em apenas dez meses de legislatura. Ultrapassaram-se todos os limites, e a demissão de Pedro Nuno Santos não é apenas mais uma, é o pináculo de um Governo que não existe, outra vez o pântano.

Pedro Nuno Santos assumiu a rutura política que deveria ter seguido quando se prestou a pedir desculpas por causa do caso do novo aeroporto. Desta vez, sai com a dignidade de quem sabe que tem de assumir responsabilidades políticas pelo facto de o seu secretário de Estado (é essa a tese oficial do ministro demissionário) ter dado o aval a uma coisa impensável, o pagamento de uma indemnização da TAP a uma administradora no valor de 500 mil euros no momento em que impõe cortes salariais pesados a milhares de trabalhadores.

A contratação de Alexandra Reis para a Nav meses depois da demissão milionária da TAP tornou a posição de Pedro Nuno Santos insuportável, e só faltava saber se tinha dado o seu aval àquele acordo. Se a administração da TAP tivesse assinado aquela indemnização sem o conhecimento do acionista, teria de ser demitida, se Pedro Nuno Santos tivesse dado o seu apoio à rescisão naqueles termos, teria ele próprio de se demitir. Havia, afinal, uma terceira via, que dá dignidade à demissão, e mantém o seu futuro intacto. O secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, deu o seu acordo e com isso comprometeu o próprio ministério, pediu a demissão por causa disso e Pedro Nuno Santos não o deixou cair sozinho… ao contrário do que fez Fernando Medina. A guerra no PS começou hoje.

Fernando Medina, ao contrário, fez saber que não sabia da indemnização porque não era, à data, em fevereiro, ministro das Finanças. A explicação é curta. É que o ministro das Finanças convidou Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, função que implicava ter a tutela das empresas públicas, como a TAP. Ora, no mínimo, não tratou de saber em que condições saiu a gestora da administração da TAP, e isso é uma falha politicamente grave. Ao contrário de Pedro Nuno Santos, Medina pendurou Alexandra Reis no pelourinho e protegeu a sua posição.

A demissão de Pedro Nuno Santos poderá não ser a última desta crise. A presidente executiva da TAP, Christine Ourmiére-Widener, já tinha poucas condições para liderar o processo de reestruturação da TAP e as negociações com os sindicatos num processo que vai ser longo exigente – os tripulantes decidem hoje uma nova greve — e perde agora o seu maior, e talvez único, defensor. Um novo ministro poderá ditar a sua demissão, mas a gestora tem ainda um caminho, estreito, para se salvar, os resultados da companhia em 2022.

Começa hoje um novo ciclo político. Dentro e fora do Governo (ou do que resta dele). Pedro Nuno Santos vai sentar-se na quinta fila do Parlamento e a preparar a sua candidatura à liderança do PS, Medina vai usar o Ministério das Finanças para preparar o seu caminho e sobra, por isso, o Governo e o país, as últimas prioridades.

António Costa tem uma última oportunidade para recuperar a condução política do país, e o Presidente da República tem uma última oportunidade para pôr ordem no desgoverno ou, no limite, para mandar abaixo esta legislatura, e o PSD tem uma oportunidade única de afirmar a alternativa.

Como se mostra, uma maioria absoluta é condição necessária, mas não é suficiente, para a estabilidade política, nem é um fim em si mesmo quando não existe uma ideia do que fazer. O país não se pode habituar a isto.

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