O Reino Unido, o “cão” de Pavlov e o FMI
O FMI é cada vez mais um porta-voz dos ideais socialistas que defendem consecutivas subidas de impostos e aprofundam cada vez mais o sentimento de estagnação que predomina nas economias desenvolvidas.
As reações às medidas económicas anunciadas pelo governo do Reino Unido são como as do “cão” de Pavlov, previsíveis e repetitivas, e a sua natureza destrutiva explica cada vez mais a estagnação económica e o fraco crescimento da produtividade que se regista no mundo desenvolvido. O Fundo Monetário Internacional tornou-se uma instituição que alimenta esta visão “derrotista”.
O governo do Reino Unido anunciou uma mudança nas prioridades da política económica no sentido do crescimento, da iniciativa privada e da redução da dependência de subsídios e de transferências do Estado. O novo “Chancellor of the Exchequer”, Kwasi Kwarteng (que um membro do parlamento do partido trabalhista caracterizou como sendo “superficialmente preto”) apresentou na sexta-feira passada um mini-orçamento em que, ao contrário do que os jornais noticiaram, o corte nos impostos foi relativamente pequeno, mas que rompe com os preconceitos que dominaram a política económica da última década, quando se criou o mito de que maior igualdade de rendimentos conduzia a maior crescimento.
Esta mudança nos objectivos da política económica mudou o foco para a exaltação da prosperidade, a tentativa de tornar a Grã-Bretanha mais rica e a procura por mais para partilhar em vez da preocupação exclusiva com a repartição. É disto que as economias desenvolvidas precisam, mas também é sobre isto que as tentativas de bloqueio são cada vez mais frequentes.
Nos tempos que correm tudo o que seja fugir ao pesudo-consenso do politicamente correcto leva a reacções radicais. As críticas e as tentativas de descredibilização das propostas apresentaram características pavlovianas ao convergirem de todos os lados, desde a esquerda mais radical, dos activistas de serviço e dos comentadores do “The Guardian”, até à oposição trabalhista, à oposição dentro do partido Conservador e às instituições internacionais como o FMI, que deveriam ser mais sensatas nos comentários que publicam.
Muitos dos críticos nem sequer se deram ao trabalho de analisar o que foi anunciado:
- Redução do Imposto de selo na compra de casa (custo 0,02% do PIB)
- Reversão da subida de 1,25% das contribuições para a segurança social das empresas (custo: 0,39% do PIB)
- Redução da taxa adicional sobre o rendimento de 45% para 40%, a partir de 150 mil libras/ano (custo: 0,09% do PIB)
- Redução da taxa para a saúde e apoio social (Gales, Escócia e Irlanda Norte – custo: 0,04% do PIB)
No total, a redução de impostos totalizou 12.700 M libras, ou seja, 0,54% do PIB ou 0,9% do consumo privado. Ou seja, com estas medidas, a dívida pública britânica aumentará de 95% para 95,5% do PIB, continuando inferior à média da zona Euro e muito abaixo dos 129% dos Estados Unidos. Mais, os ganhos em receita com o crescimento da inflação mais do que compensam esta redução fiscal no ano de 2022 e, provavelmente, em 2023.
Agora compare-se aquele valor com o apoio estimado a famílias e empresas na factura de energia: 120.000 M libras, ou seja, 10 vezes mais, correspondendo a 5,13% do PIB. Note-se que o apoio anunciado foi apenas para 6 meses e estes valores são para 1 ano (o dobro), e que a despesa efectiva vai depender da evolução do custo real da energia. Mas este valor tem, indubitavelmente, um impacto significativo na despesa e na dívida.
Com base nestes números parece um pouco difícil compreender alguns dos comentários críticos, e especialmente os do FMI, que passo a citar: “ … dadas as elevadas pressões inflacionistas em muitos países … não recomendamos grandes pacotes fiscais …, uma vez que é importante que a política fiscal não funcione com objectivos cruzados com a política monetária.”
O que se esperaria de uma instituição como o FMI era que elogiasse algumas das medidas tomadas, como a decisão de evitar a subida da taxa sobre os lucros das empresas, a redução dos benefícios dados a quem recebe apoio ao rendimento e não toma iniciativas para o aumentar, ou a redução da taxa base do imposto sobre rendimento de 20% para 19% prevista para Abril de 2023 (representa 0,23% do PIB). Estas são medidas que promovem o dinamismo da uma economia de mercado e reduzem o prejuízo causado pelas distorções da intervenção do Estado. Isto mesmo sabendo que 2023 vai ser um ano muito difícil, em que uma parte significativa dos países desenvolvidos deverá entrar em recessão.
A recomendação de não haver grandes pacotes fiscais por causa da inflação não se aplica neste caso. Primeiro, porque os apoios aos custos com a energia visam controlar os preços e têm um efeito directo negativo na inflação, não têm um efeito positivo na procura. Segundo, porque os restantes apoios não têm dimensão suficiente para ter um impacto expressivo no crescimento da procura e dos preços. Por isso, a preocupação real do FMI no caso do Reino Unido não é de certeza haver uma política orçamental expansionista a par com uma política monetária contraccionista.
Mas o FMI continua: “… Além disso, a natureza das medidas do Reino Unido irá provavelmente aumentar a desigualdade. O orçamento de 23 de Novembro apresentará uma oportunidade … para o governo … considerar formas de prestar apoio … e reavaliar as medidas fiscais, especialmente as que beneficiam os rendimentos elevados”.
Aqui é que está o verdadeiro problema para o FMI (e também para o Banco Central Europeu). Perante populações descontentes com os governos, que cada vez mais votam em partidos que estão fora do arco considerado aceitável pela instituição, o FMI resolve adoptar uma atitude “populista” e igualitária, criticando a redução dos impostos pagos pelos mais ricos e a não subida da taxa sobre os lucros das empresas. O PCP e o Bloco de esquerda não diriam melhor.
O que os números mostram é que a redução é meramente simbólica e que os mais ricos continuam a pagar muito mais impostos do que os outros, não sendo em nada afectada a progressividade fiscal. Veja-se que os 1% mais ricos asseguram 28% da receita obtida com a tributação sobre o rendimento no Reino Unido. Se isto não é tributar desproporcionalmente os mais ricos, então é o quê? No fundo, o comunicado do FMI é o mesmo discurso “populista” da Comissão Europeia quando propõe algo para o qual não tem qualquer autoridade: a tributação dos lucros extraordinários das empresas de energia, como se esses lucros não fossem já tributados e, em alguns países, numa escala tão grande que só prejudica a actividade económica.
Haveria outras críticas que o FMI poderia fazer ao governo britânico, como a magnitude das ajudas direccionadas para os custos energéticos que em nada desincentivam o seu consumo (são poucos os activistas ambientais que prescindem de andar de camisola de manga curta dentro de casa, vendo isso como um direito fundamental digno de estar na constituição mesmo que tenha impacto no clima), o actual elevado nível de endividamento público e o anúncio de que esta medida será financiada com dívida, i.e., com necessidades imediatas de financiamento nos mercados e com impostos futuros, ou a falta de medidas concretas para reduzir a despesa. Mas não, a grande preocupação do FMI, fazendo coro com a esquerda radical anti-capitalista, é tirar dinheiro aos mais ricos.
Infelizmente, o FMI não teve a frontalidade que se lhe exigia para fazer as críticas adequadas e optou por um comunicado irresponsável em que veio deitar mais “lenha para a fogueira” da instabilidade cambial e da pressão sobre o custo da dívida pública britânica. Esta volatilidade está a “eclipsar” a excelente novidade que é a mudança da política económica e já levou mesmo à inversão da política monetária anti-inflaccionista, o contrário do que o FMI defende.
O que se esperaria de uma instituição como o FMI era que elogiasse algumas das medidas tomadas, como a decisão de evitar a subida da taxa sobre os lucros das empresas, a redução dos benefícios dados a quem recebe apoio ao rendimento e não toma iniciativas para o aumentar, ou a redução da taxa base do imposto sobre rendimento de 20% para 19% prevista para Abril de 2023 (representa 0,23% do PIB). Estas são medidas que promovem o dinamismo da uma economia de mercado e reduzem o prejuízo causado pelas distorções da intervenção do Estado. Isto mesmo sabendo que 2023 vai ser um ano muito difícil, em que uma parte significativa dos países desenvolvidos deverá entrar em recessão.
Noutros tempos, o FMI já teve essa frontalidade, mas desde que foi “invadido” por políticos de carreira mudou totalmente o seu comportamento. Agora é cada vez mais um porta-voz dos ideais socialistas que defendem consecutivas subidas de impostos e aprofundam cada vez mais o sentimento de estagnação que predomina nas economias desenvolvidas e que, por essa via, levam ao descontentamento das pessoas. Em vez de contribuir para as soluções, agrava os problemas.
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