O respeito pelos direitos de propriedade intelectual carece de uma luta global
Leia aqui o artigo de opinião do sócio da SRS Advogados, João Paulo Mioludo, sobre os direitos de propriedade intelectual.
Foi recentemente publicado o relatório da Comissão Europeia sobre a proteção da propriedade intelectual em países terceiros. É compreensível a preocupação das instituições europeias neste domínio. Os sistemas de propriedade intelectual devem oferecer aos agentes económicos que investem na inovação e na criatividade um nível de proteção elevado, garantindo-lhes um justo e equilibrado retorno dos seus investimentos que, em determinados setores de atividade, são significativos.
Por outro lado, têm de ser considerados, muito seriamente, os impactos e efeitos negativos do fenómeno da contrafação e da pirataria, representando uma economia paralela e em larga escala que tem repercussões a vários níveis. Já não é, apenas e só, a questão do investimento na inovação enquanto motor do desenvolvimento das empresas e do crescimento económico que está em causa.
No ano passado, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia publicou um estudo, revelando que a contrafação e a pirataria são responsáveis pela perda de quase 500 mil postos de trabalho na União Europeia, sendo que em Portugal esse número ascendia a 22 mil postos de trabalho.
Mas outros parâmetros devem ser considerados, como sejam os danos causados à imagem e à qualidade dos produtos, os riscos para a saúde, a segurança e o ambiente, designadamente os que resultam de uma total ausência de controlo ou certificação sobre a produção e qualidade das mercadorias de contrafação, a perda de receitas fiscais e a crescente associação deste fenómeno à criminalidade organizada, incluindo o financiamento do terrorismo.
Neste relatório, a China vem identificada como uma prioridade absoluta, o que não é de estranhar atendendo ao enorme mercado que representa e à necessidade, diríamos vital, de as empresas europeias aí se posicionarem. Simplesmente, não têm encontrado o ambiente mais favorável à proteção dos seus direitos.
No que respeita às marcas, por exemplo, os registos efetuados de má fé são uma dor de cabeça para qualquer empresa que pretenda iniciar ou manter os seus negócios na China, o que, com alguma graça, já vimos apelidado de “epidemia de registos de marca de má fé”.
No domínio das patentes têm sido identificadas práticas abusivas que vão desde a instauração de processos de invalidade sobre patentes tituladas por empresas estrangeiras, e que são objeto de uma ação por infração pelo respetivo titular, até à duvidosa qualidade e rigor das decisões administrativas de concessão desses direitos.
Recentemente, entraram em vigor alterações à lei de marcas, prevendo designadamente que qualquer pedido de registo efetuado de má fé, sem qualquer intenção de uso por parte do requerente, deve ser recusado, situação que será igualmente de ter em conta em processos de oposição ou invalidação. Está inclusivamente previsto que os requerentes podem ser alvo de penalidades, designadamente sob a forma de avisos e multas.
Outras medidas têm vindo a ser implementadas e podemos admitir uma evolução favorável nos últimos anos, mas o que este relatório nos transmite é que tem sido lenta e, sobretudo, insuficiente. Justifica-se, pois, a preocupação revelada pela Comissão Europeia neste relatório e o plano de ação aí definido, selecionado outros mercados prioritários, como a Índia, a Rússia a Turquia ou a Nigéria, entre outros, todos com características próprias e que merecem uma especial atenção. Precisamente, a Nigéria foi identificada como sendo um território de “trânsito” para os produtos de contrafação provenientes da China e posterior reexportação para outros países da África Ocidental e União Europeia, sendo certo que não dispõe sequer de controlos aduaneiros adequados.
Neste domínio, a intervenção da União Europeia coloca-se ainda ao nível das negociações com esses Estados e com Organizações Internacionais para obtenção de acordos bilaterais e multilaterais e implementação de programas de assistência técnica, visando a criação nesses países de um sistema mais eficaz de proteção e defesa dos direitos de propriedade intelectual.
O respeito pelos direitos de propriedade intelectual carece, de facto, de uma luta global, constituindo este relatório apenas uma amostra. Em Portugal. não podemos deixar de constatar, com algum lamento, que o respeito pelos direitos de propriedade intelectual está aquém do desejável. É certo que temos assistido a uma evolução, mas que se situa mais ao nível dos meios, não tanto no que respeita a atuações concretas na defesa dos direitos de propriedade intelectual.
Agora que tanto se começa a falar da responsabilidade dos intermediários, por exemplo dos titulares das plataformas de comércio eletrónico ou dos espaços arrendados em feiras e mercados que, nesses espaços de comércio, autorizam ou permitem a venda e comercialização de produtos de contrafação e pirataria, seria bom punir, e exemplarmente, os infratores pela prática deste tipo de ilícitos, assegurando proteção efetiva aos titulares dos direitos de propriedade intelectual, designadamente indemnizando-os adequadamente pelas infrações cometidas contra os seus direitos de exclusivo. Com isto queremos dizer, obviamente, que as respostas dos tribunais, sobretudo dos tribunais criminais, não têm sequer sido dissuasoras destas práticas ilícitas, quanto mais compensatórias para os titulares dos direitos.
Aguardemos por um próximo relatório da Comissão Europeia sobre este tema, que receamos bem não venha a ser muito diferente.
*João Paulo Mioludo é sócio da SRS Advogados.
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