Editorial

O silêncio ensurdecedor da elite

Na semana em que António Costa é acusado de tentar proteger Isabel dos Santos, anuncia mais taxas e impostos extraordinários e põe em causa os contratos com as concessionárias de autoestradas.

Na mesma semana, o primeiro-ministro António Costa avança com uma nova taxa (mais uma) sobre o que considera serem os lucros excessivos de empresas de energia e de distribuição alimentar e avisa os concessionários privados de auto-estradas que o contrato que regula a fixação de preços das portagens não é coisa para cumprir (assim mesmo). Costa tem um entendimento do exercício do poder que é intrusivo, para não dizer outra coisa, das empresas e negócios privados.

Não é apenas coincidência, e quem considera que este assunto é irrelevante está a pedir para ficar a falar sozinho quando o mal lhe bater à porta, e vai bater, é uma questão de tempo. António Costa foi acusado de pressionar o antigo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, para proteger Isabel dos Santos, e respondeu com a ameaça de um processo judicial. Se isto já não fosse grave, foram muitos os decisores empresariais e gestores bancários no espaço público a desvalorizar o tema, mas por estes dias voltámos a ter uma expressão do que é a forma como António Costa olha para as empresas privadas. São instrumentais para os seus objetivos políticos e partidários.

Há algumas semanas, confrontado pelos jornalistas, o presidente do BCP, Miguel Maya, recusou a ideia dos lucros caídos do céu, e retorquiu com as taxas e impostos a sair pela janela. Tem obviamente razão, a banca é só mais um dos setores penalizados fiscalmente e, pior, usados como bode expiatório para todos os males, em função das necessidades de momento, sejam elas orçamentais ou políticas. Agora, foi a vez da distribuição alimentar e da energia.

O ECO publicou esta terça-feira uma análise às intromissões de António Costa nos negócios e empresas privadas, uma notícia assinada pelo editor da redação do Porto, António Larguesa. Foram identificados 14 casos, e só peca, por defeito. E podem imaginar os que não conhecemos.

Há de tudo: Influências em decisões que deveriam caber exclusivamente a acionistas privados, insultos públicos em pleno parlamento às decisões dos gestores dessas empresas, alterações unilaterais de contratos entre o Estado e os privados, ameaças e chantagem porque o Estado define as regras do jogo e é também, ele próprio, um grande cliente, enfim, um sem número de interferências no setor privado, e aqui não estão as tentativas de intromissão nos reguladores, o que justifica outro artigo por si mesmo, ou a escolha de presidentes que são próximos do seu universo político e até pessoal. Nem o que se passou, por exemplo, na substituição da procuradora Joana Marques Vidal.

Isto deveria criar uma indignação geral, desde logo dos decisores, do que habitualmente se classifica de elite política e empresarial, também a fiscalização efetiva do Presidente da República, mas o problema do país, o empobrecimento relativo do país em comparação com os outros parceiros europeus e economias concorrentes, parece ser mesmo o antigo governador Carlos Costa e as suas motivações pessoais.

Se juntarmos a esta prática política os anúncios de apoios às empresas e às famílias, e muitos anúncios que tardam a chegar (pode ler aqui), a crescente dependência dos agentes económicos de uma política que favoreceu a redistribuição em vez da prioridade à produtividade e competitividade da economia, temos o cozinhado certo para o estado do país.

Este exercício de poder tem sete anos, é menos agressivo do ponto de vista mediático do que o que foi seguido por José Sócrates, mas os objetivos finais são os mesmos, controlar os diferentes poderes, torná-los dependentes, impor o ‘respeitinho’. Mas tem uma enorme consequência (para lá de todas as outras): Afasta o investimento, cria instabilidade empresarial e contratual, menoriza a atividade empresarial, e isto não pode dar bons resultados. O silêncio da generalidade da elite política e empresarial é, neste contexto, ensurdecedor.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O silêncio ensurdecedor da elite

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião