Ambicioso, carismático e com uma extraordinária capacidade de liderança, atingiu patamares de desempenho inéditos – e tal como Alexandre o Grande só falhou em deixar um sucessor.

Ratan Tata, um dos maiores empresários indianos de sempre, faleceu em Outubro aos 86 anos. Tive o prazer de o conhecer pessoalmente e de estar com ele várias vezes na minha vida, aprendendo a admirar a sua elegância e simpatia como pessoa e como empresário o seu arrojo e a capacidade de mostrar uma Índia moderna aberta ao exterior. Cumpro hoje a promessa que fiz quando morreu de lhe dedicar um artigo e de partilhar porque foi tão especial este verdadeiro Marajá dos nossos dias.

Desde há décadas que o nome Tata se confunde com a própria Índia, estimulando com o seu êxito centenas líderes de grupos empresariais familiares locais nas últimas gerações. De facto, o Grupo Tata é um caso paradigmático pelo seu relevo no maior País do Mundo e pela capacidade de desenvolver excelentes processos de sucessão uns atrás dos outros, infelizmente interrompidos pela falta de descendência de Ratan Tata. Como Alexandre o Grande, o líder indiano não foi capaz de garantir uma sucessão à altura e acabou por pôr em perigo a dinastia meticulosamente montada pelos seus antepassados.

O Grupo foi fundado no final do seculo XIX por aquele que na altura já foi um dos maiores empresários da sua geração, Jamsetji Tata, avô de Ratan. Prepara muito bem a sucessão para o seu filho Ratanji Tata e este por sua vez para o neto do Fundador, Ratan Tata. Ratan estuda na Universidade de Cornell nos anos 50 e desenvolve uma carreira de décadas no Grupo até assumir a sua Presidência em 1991, tomando o ceptro do seu Pai num processo de sucessão exemplar.

Ratan Tata foi o herdeiro de terceira geração do Grupo e quem o transformou no estímulo a uma nova onda de milhares de empresários indianos e dos seus grupos empresariais familiares, graças à sedução do Ocidente com a sua elegância e imagem e à audácia das suas bem sucedidas iniciativas empresariais. Ambicioso, carismático e com uma extraordinária capacidade de liderança, Ratan lançou o Grupo numa cavalgada de décadas marcada por novas áreas de negócio e aquisições internacionais. Em 21 anos aumentou a receita 50 vezes e os resultados 40 vezes.

A aquisição da Jaguar Land Rover à Ford Motor Company foi a sua jogada mais forte e mediática pelo estado deplorável das marcas e pela alavancagem que assumiu. Hoje, as marcas respiram charme, qualidade, personalidade e sucesso: A JLR está ‘a bombar’ (+60% de crescimento de resultados YOY Q1 2024) e tem em mãos um ambicioso plano de crescimento aproveitando as crises de identidade e inovação das marcas alemãs de topo e mantendo-se a um plano claramente superior às marcas asiáticas. A Jaguar promete para 2025 um portfolio de modelos completamente novo (sobrevive o F-Pace), o que só é possível com uma grande saúde financeira.

Ratan Tata conquista um élan internacional fortíssimo que só o ajuda a desenvolver mais e melhores negócios e uma profunda estima em todo o Mundo. Ao longo da sua vida, recebe doutoramentos honoris causa de várias universidades na Índia e no estrangeiro e, em 2014, a Rainha de Inglaterra concede-lhe o título de cavaleiro honorário pela sua contribuição para as relações entre Reino Unido e Índia, o aumento de investimentos entre os dois Países e a sua vasta ação filantrópica.

Na intimidade, no entanto, Ratan estava distante da imagem externa que tão bem cultivava. Era conhecido por ser calado, modesto e um amante dos animais. “O meu amor por cães como animais de estimação é sempre forte e continuará enquanto eu viver“, disse numa entrevista em 2021. “Há uma tristeza indescritível cada vez que um dos meus animais de estimação morre e decido que não vou passar por outra despedida tão dolorosa. No entanto, passados dois ou três anos, a minha casa torna-se demasiado vazia e silenciosa para eu viver sem eles, por isso acabo por acolher um novo cão para receber o meu carinho e atenção, como receberam todos os anteriores.”

Esta ligação aos animais de estimação não está desligada do facto de Ratan Tata nunca se ter casado. Por quatro vezes esteve noivo de casamento marcado … e por quatro vezes cancelou à última hora.Sem filhos, a sucessão seria sempre complicada e em 2022, quando decide ser altura de escolher um sucessor, começa uma novela. Nomeia o seu irmão Elon, não funciona e é despedido. Depois contrata um CEO externo, também não funciona e também o despede. Com estas peripécias públicas e pressões externas em áreas chave, o Grupo entra numa fase de perda de valor em Bolsa e os acionistas familiares minoritários já não aguentam mais a novela dos sucessores a cair uns atrás dos outros. A família Mistry reforça a sua posição aproveitando a queda e passa a ser a maior acionista do Grupo, assumindo o poder sob a liderança da jovem Cyrus Mistry.

Mas a novela não páara aqui. Cyrus estatela-se ao comprido e os acionistas suplicam a Ratan Tata que assuma de novo a Presidência Executiva do Grupo, ele acede e guarda a posição quase até à sua morte – que se deu há semanas aos 86 anos.

Para preservar a liderança na família Tata e sem que Ratan tenha tido descendência, o trust dos accionistas familiares volta-se de novo para o irmão Noel Tata, um dos homens que tinha sido enxovalhado e despedido quando se procurava um sucessor por Ratan quando procurava um sucessor.

Noel Tata, meio-irmão de Ratan Tata, é bacharel pela Universidade de Sussex e completou o Programa Executivo Internacional no INSEAD. Sempre trabalhou no Grupo Tata Sons, como executivo e trustee do Sir Ratan Tata Trust. Ao contrário do apreço pela visibilidade pública e da aparência elegante de Ratan, Noel cultivou sempre um perfil mais discreto, mas um track record de gestão eficaz nos vários cargos que foi ocupando. Por tudo isto não surpreende que a sua nomeação tenha sido uma decisão unânime.

O mercado de capitais saudou a escolha de Noel Ratan para o lugar do irmão, com um aumento geral de cerca de 10% no valor combinado das diferentes empresas setoriais do Grupo nos primeiros dias após tomar posse. Hoje, as pressões do contexto externo já erodiram esse valor… mas a reputação e credibilidade de Noel continuam intocáveis.

Em conclusão, Ratan Tata foi um personagem e um empresário único na história da Índia. É certo que a par do tremendo sucesso do seu reinado o Grupo Tata viveu momentos difíceis nos seus negócios e lutas de liderança no seio do foro acionista familiar. Mas Ratan saiu sempre por cima, marcando duas gerações de empresários familiares indianos e projetando em todo o Mundo uma nova Índia, mais moderna e arrojada. Só perdeu a última batalha.

A sua morte representa a perda para a Índia de uma personalidade única e de um líder carismático, ambicioso, bem amado pelo Povo e que contribuiu como ninguém para uma nova Índia empresarial. Mas a sua memória continuará a servir como estímulo do tecido empresarial familiar indiano através do legado de desenvolvimento arrojado, exigente e criador de valor que deixa.

Agora cabe ao seu irmão Noel que, sem a estatura ou o carisma de Ratan, tem seguramente as competências e o respeito da família e dos mercados para fortalecer e fazer crescer o Grupo – e Noel tem sobre Ratan a vantagem de poder preparar os seus filhos para que um seja um dia o seu sucessor, o líder da quarta geração da família Tata. Não será um desafio fácil: hoje, os cinco títulos chave do império Tata estão com uma perda superior a 15% desde a morte de Ratan, parte seguramente pelo êxodo recente de investidores da Índia mas pode ser também o efeito da chegada de Noel. O desafio para ele é gigantesco, “he has really big shoes to fill”.

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