OE24, conservador e habilidoso

Discute-se o nível da dívida apenas em função do custo do seu serviço. Esta perspetiva é importante num país que apenas há 10 anos estava na bancarrota, mas é redutora.

Aqueles que esperando ver nas propostas do Orçamento do Estado (OE) manifestações de uma estratégia para a economia ficam normalmente desapontados. Eu não tenho essa ilusão. Os OE são documentos de natureza essencialmente financeira, revelando, com maior ou menor transparência, quanto do nosso dinheiro vai ser tributado e como vai ser gasto. A estratégia económica e as grandes opções de política situam-se a montante do orçamento.

Não se conhecendo qualquer pensamento do governo sobre aquelas matérias, é apenas natural que o OE 24 também não as reflita. Nem uma palavra, portanto, sobre os assuntos que a prazo verdadeiramente importam como, por exemplo: o elevado nível de impostos que incidem sobre os indivíduos e empresas; a progressividade do IRS e, também, IRC; a competitividade fiscal; a estratégia de apoios às famílias; as prioridades da despesa pública e como poderá a seu crescimento ser contido;, o ritmo de redução da dívida pública; ou a estratégia para o investimento público.

Não havendo substância para discutir, diria, não obstante, que o OE24 é globalmente conservador em termos macroeconómicos. Porquê? Fundamentalmente porque numa altura em que a economia abranda, muitas famílias enfrentam dificuldades financeiras, e a infraestrutura e os serviços públicos se degradam acentuadamente, o governo optou por manter a trajetória de consolidação das contas públicas traduzida numa proposta de novo excedente orçamental e pela redução da dívida pública para menos de 100% do produto. Face aos grandes riscos geopolíticos – agora acentuados pela guerra no Médio Oriente –, que se podem refletir nos preços do petróleo, inflação e, consequentemente, nas taxas de juro, não serei eu que condenarei a prudência do orçamento.

O conservadorismo orçamental (as “contas certas”) é, em Portugal, um anátema nas urnas, salazarento ou, (pior?), reminiscente de Passos Coelho. Daí que, com eleições em meados de 2024, tenha de ser disfarçado. De qualquer modo, tem logo à cabeça a vantagem de roubar uma das bandeiras do PSD.

O disfarce escolhido pelo ministro das Finanças foi a promessa de aumento o rendimento disponível das famílias por três vias, a redução do IRS até ao 5º escalão, o aumento da função pública e o aumento das pensões. A redução do IRS é verdadeiramente limitada: primeiro por que os seus valores efetivos são reduzidos; segundo porque não abrange muitos daqueles que, por baixos rendimentos, não pagam IRS; e, finalmente, porque se limita a contribuintes com rendimentos até cerca de 200 euros por mês que, ficámos a saber, constituí para Medina o limite superior da classe média. Mais importante, este apoio é, na verdade, um truque de prestidigitador, pois parte dos ganhos dos orçamentos familiares serão absorvidos pelos impostos indiretos, taxas e impostos específicos e pela insuficiente (abaixo da inflação e dos aumentos salariais) atualização dos escalões de IRS. Em dezembro de 2024 far-se-ão as contas; mas aí já as Europeias já tiveram lugar.

Voltando a assuntos mais sérios. Surpreende-me que o debate público em torno do orçamento passe ao lado da discussão de qual deve ser o ritmo adequado de redução da dívida pública tendo em conta, por um lado, a necessidade de refazer o stock de capital público e, por outro, a justiça entre gerações.

Discute-se o nível da dívida apenas em função do custo do seu serviço. Esta perspetiva é, sem dúvida, importante num país que apenas há 10 anos estava na bancarrota, mas é redutora. Os défices e dívida para financiar genuíno investimento devem autofinanciar-se sem gerar problemas de sustentabilidade. Se é verdade que a dívida significa um alívio da geração presente que será pago pelos nossos filhos e netos, não é menos verdade que a geração presente, vítima de crises financeiras, pandémicas e geopolíticas, e onerada com os custos da transição verde, bem precisa desse alívio.

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