Paris, Madrid, Extinção, Rebelião
O que liga Donald Trump, Emmanuel Macron e Greta Thunberg? À superfície talvez nada, no âmago da questão talvez tudo.
O cronista não imagina uma quimera política com cabeça de leão, corpo de cordeiro, cauda de dinossáurio. Estas três personalidades políticas não existem numa irrealidade imaginária e monstruosa, mas ocupam lugares distintos na complexa topografia do mundo real. Vive-se num tempo mórbido e sem esperança, um tempo entre a confusão do presente e o futuro de coisa nenhuma. O mundo real está marcado pela ansiedade e pelo medo relativamente ao futuro que se anuncia tão inexistente como um romance num livro de História.
Na economia dos tempos perversos, Donald Trump é o símbolo do fim da Democracia. A Grande Cidade na Colina foi cercada por dentro por “forças tenebrosas e conspirativas” que põem em questão a sanidade, o exemplo e o efeito virtuoso da América no Mundo. O “nacionalismo da América” espalha guerras comerciais no Planeta, abandona aliados tradicionais e troca mensagens no Twitter sobre o novo “Holocausto Nuclear”. Trump é uma metamorfose da Democracia, o efeito cruzado entre a luz fria e a ignorância que liberta as forças da entropia e do desastre.
Na Europa, Emmanuel Macron pretende ser o rosto de uma Nova Idade do Progresso, agressivo, assertivo, arrogante, infalível. No entanto, o Grande Líder da União não consegue afirmar a sua autoridade na “França Insubmissa” que resiste a tudo, mesmo a uma qualquer ideia de Mudança ou de Progresso. A França é uma Nação estática que pretende congelar o tempo e persiste em confundir a estagnação com a evolução. Macron procura deixar uma marca política pessoal que seja uma referência para uma qualquer ideia de Futuro, só que não consegue entender e controlar a deriva do Presente que planeia nas ruas de Paris as barricadas contra o Futuro. A ambição de Macron é apenas o sintoma de uma profunda alienação política relativamente à proliferação viral e volátil da Idade da Informação.
Depois há ainda o Eco-Iluminismo da activista Greta Thunberg. Depois de atravessar o Atlântico sem deixar vestígios de Carbono, a nova celebridade é recebida na Europa como uma Deusa do Olimpo, arrastando um culto contemporâneo e característico de uma pop-star. Com um coro vermelho típico das tragédias clássicas, a mensagem é simples e remata os cérebros da Nova Geração com a simplicidade de um vocábulo inscrito no destino – o Mundo tem doze anos para se salvar; os sonhos da Juventude foram “destruídos”, sonhos “roubados” pela “ganância” dos poderes instalados. O capitalismo em busca do lucro ameaça destruir o Planeta, logo a salvação da Humanidade e a solução para as Alterações Climáticas passa pela erradicação do Capitalismo. O que ninguém parece perceber é que a velha cultura tecnológica está a desaparecer e o que se exige é uma nova cultura tecnológica ainda por desenvolver à escala de uma civilização. Nas ruas de Madrid preparam-se manifestações contra a Extinção, manifestações que na realidade não são mais do que barricadas contra o Futuro.
Numa Época sem Nome, a geração que agora ganha consciência política tem pouca consciência histórica e excesso de perplexidade política. No confronto entre “boomers” e “zoomers”, há um desejo impulsionado por uma espécie de Egocentrismo Geracional que insiste em afirmar um papel histórico determinante – descendentes de uma História esquecida, perdidos entre um Propósito e um Lugar, procuram a utopia climática no Algoritmo da Rebelião.
Enquanto a revolta e a incerteza, ao mesmo tempo que o pessimismo e o medo dominam as ruas no Ocidente, como se uma serpente começasse lentamente a devorar a sua cauda, a expansão económica da China e a relevância política da Rússia crescem ao ritmo das mais exuberantes emissões de carbono.
Ao observar a confusão no Mundo, com o sentimento pesado de talvez representar “o último homem na Europa”, o cronista lança-se como um estranho nas ruas da cidade. No semáforo luzes verdes, no relógio 8.20, uma paragem para um maço de cigarros para o cronista que não fuma, nem pretende começar a fumar. Duas pessoas disfarçadas de um acidente de automóvel esperam no asfalto enquanto as rodas dos automóveis se movem no mesmo lugar. A dor é uma manifestação da vida. No semáforo luzes vermelhas, no céu nuvens cinzentas, distraído o cronista é interrompido por uma enorme cratera no centro da cidade. Vozes no escuro. Vozes de um vampiro ou de uma vítima. Pouco importa. A paragem desvia o olhar para os anúncios que tapam os edifícios, para os smartphones que tapam os rostos, para uma montra que tapa o reflexo do cronista pela reflexão da música dos motores dos automóveis que cobrem coloridos o génio negro da estrada. Para além do azul do carbono da atmosfera, os satélites registam as coordenadas GPS do cronista, mantêm a comunicação instantânea no Planeta, monitorizam o degelo nos Glaciares. Tudo tão longe, tudo tão perto. Enquanto o Mundo acaba, na secretária a luz que abre o livro e o silêncio que fecha a noite. Na rua o eco metálico de uma colisão, o ruído abafado de uma experiência em construção quando um anjo rebelde caído na rua começa a olhar para o céu.
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