Ainda querem discutir a “folga” orçamental?
Esperemos que a crise italiana e o seu impacto nos mercados não seja mais do que uma virose passageira. Porque se não for, não duvidemos que Portugal está na primeira linha do impacto negativo.
Há apenas dois meses o que se discutia sobre política orçamental entre os partidos que suportam o Governo era o que fazer da “folga” nas contas públicas. O país continua a ter défice orçamental, embora felizmente cada vez mais baixo. A dívida pública mantém-se em níveis estratosféricos, porque é sempre muito mais fácil e rápido fazê-la subir do que cortá-la. Indiferentes a isto, o Bloco de Esquerda e o PCP criticavam o ministro das Finanças por apresentar um trajecto para o défice orçamental que prevê o equilíbrio das contas públicas para os próximos anos e alguns sectores mais radicais do PS até avisaram que o país dispensava “brilharetes orçamentais” neste ano e no próximo.
É desde logo estranho que se critique um “brilharete orçamental” que consiste em fazer o que qualquer governo devia sempre tentar: uma execução orçamental de forma a cumprir ou ultrapassar os objectivos definidos para o défice já que, como se sabe, quanto maior for este mais acrescentamos à dívida pública.
Mas mais grave é que não se tenha aprendido nada com o que se passou há quase dez anos. Para os mais distraídos e para os que nunca abdicam de certas fantasias ideológicas em nome da realidade, o ligeiro impacto que a crise política italiana – e, em mais pequena escala, a espanhola – teve nos mercados e nos juros da dívida devia obrigá-los a parar um pouco para pensar.
Bastaram poucos dias para que a perspectiva de um governo com uma linha anti-europeia numa das maiores economias da União fizesse as taxas de juro implícitas na dívida pública portuguesa anular a descida que tiveram nos últimos sete meses.
Não é uma coisa lá dos italianos ou dos espanhóis que pouco tem a ver connosco. Mesmo ignorando o que a aventura italiana pode trazer para a União Europeia, o que está em causa se quisermos olhar apenas aqui para o nosso quintal deve deixar-nos preocupados.
São mais do que trocos. Números redondos, como a nossa dívida pública ronda os 250 mil milhões de euros, uma subida de juros de meio ponto percentual (de 2% para 2,5%, por exemplo) implica um aumento anual da factura de juros próximo de 1.250 milhões de euros. É quase tanto quanto o Estado gasta por ano em segurança e administração interna – polícias, GNR, Protecção Civil, etc.
O que podemos fazer para travar a origem do problema é muito pouco ou nada. Mas podemos, e devemos, criar condições para amortecer o impacto desse problema. E isso faz-se, no curto prazo, criando espaço no orçamento para que uma subida dos juros possa ser acomodada sem colocar em causa a sustentabilidade da dívida ou fazer disparar o défice. Por isso é que a eterna conversa sobre como gastar imediatamente “folgas” orçamentais que, de facto, não temos é suicida e contrária aos interesses do país.
A ideia de todos aqueles para quem o défice não deve ser anulado é fazer cada vez mais despesa pública, colocando-a de forma rígida em patamares cada vez mais altos. O que isto implica é que perante um abalo externo tem que acontecer uma de duas coisas: ou o Estado volta a fazer “enormes aumentos de impostos” em cima da maior carga fiscal de sempre que já temos; ou tem que cortar despesa rígida em salários, pensões e benefícios sociais como aconteceu em 2010 e anos seguintes.
O orçamento do Estado já está hoje “rapado” de muita despesa de funcionamento e de investimento, como sabemos. É com esses cortes – que se juntam ao aumento de impostos e à descida dos encargos com juros – que o Governo está a ir buscar margem para suportar o aumento da despesa pública rígida com salários, carreiras e mais alguns bónus dados a sectores particulares, como o que foi dado aos restaurantes de 350 milhões por ano.
Portanto, a capacidade de ajustamento dos chamados consumos intermédios – basicamente as compras que o Estado faz para funcionar – e do investimento público já está próxima de zero para a estrutura de administração pública que temos. Para acomodar um eventual aumento dos juros, ou sobe o défice, o que terá enormes custos de credibilidade, ou se aumentam mais ainda os impostos.
Esperemos que a crise italiana e o seu impacto nos mercados não sejam mais do que uma virose passageira sem sequelas. Porque se não for, não duvidemos que Portugal está na primeira linha do impacto negativo. Como comparação, enquanto os nossos juros subiam nos últimos dias a acompanhar os de Itália, os da dívida pública alemã caíam. De um lado, os custos da desconfiança, das dívidas públicas elevadas e da má fama orçamental. Do outro, os benefícios da credibilidade e da solidez económica e orçamental.
Mas que estes escassos dias de susto sirvam para recordar o que se passou há dez anos, evitando que se repitam erros. De nada serve vir depois dizer que foi por causa de uma crise internacional. Elas vão acontecer sempre, mais tarde ou mais cedo, e compete-nos criar condições para lidar com o que corre mal. Porque, como se vê, perante as mesmas crises internacionais há uns que as passam sem sobressalto, enquanto outros vão logo ao tapete e ali ficam durante longos anos, com custos sociais e económicos muito violentos. Discutir imaginárias “folgas” orçamentais é não ter aprendido nada com o resgate.
Nota: O autor escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico
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