Os Óscares da Advocacia

  • Pedro Santos Azevedo
  • 12 Fevereiro 2020

Leia aqui o artigo de opinião do Of Counsel da Cardigos Advogados, Pedro Santos Azevedo, sobre os óscares e o setor da advocacia.

Depois da nonagésima segunda edição dos Prémios da Academia, é altura de começarmos a pensar na primeira edição dos Óscares da Advocacia. Ou dos Emmy’s. Ou dos BAFTA. Neste momento abriram, provavelmente, vários pop-ups na mente de quem lê, pensando – e bem – que já os temos, organizados por entidades como a IFLR1000, Legal500, Best Lawyers, etc… E que até temos categorias com nomes bem mais cool do que os da sétima arte: 30 under 30, Deal of the Year, Ones to Watch, Road to Partner, etc. E eu acho isso “fixe” (é assim que se escreve?), juro que acho. E sigo e leio isso tudo, e acho piada.

Devo dizer, no entanto, uma coisa. Se os Óscares são agora – e cada vez mais – palco de statements – sejam eles políticos, ambientais, etc. talvez fosse importante pensarmos também a Advocacia: se estes Óscares nos dessem palco para criar awareness para determinadas realidades, poderíamos ajudar:

  • Os Advogados que, mesmo concluindo um curso com mérito, se vêm confrontados com uma barreira de milhares de euros a pagar por um estágio obrigatório, que, num ciclo vicioso difícil de quebrar, pode perpetuar a armadilha da pobreza ao impedi-los de aceder à profissão com a qual daquela se poderiam libertar;
  • Os Advogados que em alguns casos ganham menos, ou pouco mais, do que a contribuição mensal que pagam para a CPAS, e que têm de evitar a todo o custo ter uma lesão, um acidente, ou algo que lhes limite temporariamente a capacidade de trabalhar sob pena de irem à falência;
  • Tantas Advogadas que, nestes novos loucos anos 20 do Século XXI, ainda entram em salas de reunião para não serem levadas a sério pelo mero facto de serem mulheres, ou que têm sempre de trilhar mais milhas para chegar ao exato patamar que um seu par em versão masculina chegou ou chegaria.
  • Os Advogados que, por detrás de uma fotografia glamorosa, vivem verdadeiramente escravos de um modo de vida altamente desgastante, ainda que com um sorriso (fake it until you make it, they say).

Tenho a sorte – e ainda que trabalhe muito, é, em parte, mesmo apenas sorte – de não ser nomeado em nenhuma das categorias. Pode dizer-se que ser Advogado é isso: e em parte é, um exercício de disciplina e sacrifício. Mas noutra parte não, porque por detrás de cada Advogado há uma pessoa e uma vida.

Assim:

  • Para os nomeados para a categoria de disparidade entre despesas mensais indispensáveis para a sua atividade e a sua capacidade contributiva, seria importante ter cada vez mais em conta as situações graves que se podem gerar neste modelo;
  • Para os nomeados para a categoria de mesmo com mérito, posso não conseguir ser advogado, instituir bolsas de mérito, tal como na própria faculdade: a possibilidade procurar, pelo mérito, uma vida melhor deve ser altamente estimulada.
  • Para as nomeadas para a categoria de não serem levadas a sério pelo mero facto de serem mulheres, cabe-nos a nós, todos, homens em especial, evitar, e fazer, ativamente, com que os outros evitem, a concretização dessa realidade.
  • Para os nomeados para a categoria de poker face, perceber – todos nós, mais uma vez – que por detrás de cada advogado está uma pessoa e é importante, até para a saúde das organizações, evitar normalizar determinadas realidades, que chegam a culminar em casos de burn out.

Se isto fosse um discurso de um Óscar que espero ter a sorte de nunca ganhar, diria: não aponto o dedo a ninguém, especificamente. Estamos todos juntos nisto: advogados, advogados estagiários, ordens profissionais, sociedades de advogados, legisladores, clientes, mercado de trabalho, etc. Nos Óscares chamam a esta massa multiforme, conjugada, “the industry”. E esta, como um todo, tem o dever – se não legal, pelo menos moral – de lutar contra esta realidade. E são precisos todos para podermos, um dia, ter uma noite de Óscares sem quaisquer nomeados em todas as categorias.

*Pedro Santos Azevedo é Of Counsel da Cardigos Advogados.

  • Pedro Santos Azevedo
  • Of Counsel da Cardigos Advogados

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