Por que a Europa precisa de apontar para a lua (e está a fazê-lo, com a petição EU-Inc)
Precisamos de um EU-Inc, um único sistema de registo e governo de startups na Europa, que permita operar em toda a UE com um único ponto de contacto para todos os Estados-membros,
Quando me mudei para Lisboa, a convite do João Vasconcelos, para fundar e presidir à Startup Portugal, não fazia ideia no que me estava a meter.
Uma coisa eu sabia: a oportunidade de trabalhar na política governamental nacional para startups de um Estado-membro europeu, depois de anos de trabalho “nas trincheiras”, no ecossistema empreendedor de Berlim, foi uma oferta à qual não pude resistir.
Para um empreendedor, investidor [business angel] e promotor/operador imobiliário, não era uma escolha óbvia. A política e a lei são a estrutura em cima da qual a nossa economia — e a sua inovação — se desenvolvem. Mas se perguntarmos aos meus colegas fundadores de startups sobre o seu papel no desenho de políticas públicas, o mais comum será ouvirmos: “os políticos que me deixem fazer e não atrapalhem”, ao estilo “move fast and break things” que caracteriza tantos empreendedores.
Eu não partilho dessa opinião. Muito pelo contrário. Acredito que existe uma enorme lacuna de conhecimento entre a maioria dos políticos e os fundadores de startups tecnológicas, entre investidores de capital de risco e funcionários que trabalham nessas startups — lacuna que é urgente moderar. E isso foi conseguido, até certo ponto.
Durante a Presidência Portuguesa, Portugal e a Comissão Europeia lançaram o “Startup Nations Standard”, um conjunto de medidas políticas que, a serem implementadas por um Estado membro, fazem dele uma “startup nation”. Das oito medidas-standard elencadas neste acordo, quatro foram testadas pela equipa da Startup Portugal em anos anteriores e, agora, são consideradas um padrão para a Europa.
Quando começámos, através da Startup Portugal, a construir essa ponte entre ecossistema empreendedor e Governo, em 2016, os investidores estrangeiros estavam a investir cerca de 220 milhões de euros por ano em startups portuguesas. Cinco anos depois, quando deixei a Startup Portugal, esse investimento ultrapassava 1,2 mil milhões de euros, ou seja, cinco vezes mais em cinco anos.
Isso foi conseguido, acima de tudo, pelos empreendedores portugueses. Mas atrevo-me a dizer que havia — e há — um clima favorável em Portugal em relação à tecnologia e ao empreendedorismo, e de isso cria uma oportunidade de fazer este pequeno país, uma vez mais, internacionalmente relevante. Desde que esse clima se tornou mais notável, Portugal é reconhecido em toda a Europa pelas suas políticas públicas inovadoras para startups.
Durante a Presidência Portuguesa, Portugal e a Comissão Europeia lançaram o “Startup Nations Standard”, um conjunto de medidas políticas que, a serem implementadas por um Estado membro, fazem dele uma “startup nation”. Das oito medidas-standard elencadas neste acordo, quatro foram testadas pela equipa da Startup Portugal em anos anteriores e, agora, são consideradas um padrão para a Europa.
Toda a legislação que regula as empresas, mesmo a de Delaware (a mais cobiçada por startups que se estabeleçam nos EUA), foi desenhada antes da Internet existir. Como pode, nesse caso, ser adequada para regular empresas altamente inovadoras, digitais, de rápido crescimento, comuns no empreendedorismo tecnológico?
Isto soa bem? Até certo ponto. Neste caso, o copo está meio vazio. Há mais de uma década que nós (a comunidade de startups) temos feito lobby por coisas como a forma de tributar um programa de stock options como forma de remunerar colaboradores de startups, ou como balcões únicos [one-stop-shop] para tratar de assuntos entre Estado e empresas, como poder fundar uma empresa num dia e tantos outras pequenas partes de um sistema que, realmente, fica muito aquém. Estamos a tentar reparar as falhas de um sistema desatualizado e cheio de falhas.
Que sistema é esse? É a lei das sociedades comerciais. É onde se define como uma empresa é regulamentada, governada e registada, para poder operar em qualquer país. E adivinhem? Toda a legislação que regula as empresas, mesmo a de Delaware (a mais cobiçada por startups que se estabeleçam nos EUA), foi desenhada antes da Internet existir. Como pode, nesse caso, ser adequada para regular empresas altamente inovadoras, digitais, de rápido crescimento, comuns no empreendedorismo tecnológico?
Há décadas que esta economia produz boas notícias. Foram arrecadados tantos milhões, criados tantos empregos. Mas esta abordagem, mais uma vez, não é suficiente. E se não houver sentido de urgência, há muito pouca vontade política para agir.
Saltemos para o Relatório Draghi sobre competitividade. Quando o li, fiquei muito entusiasmado por ver que, finalmente, alguém fala do problema abertamente. Não se trata de estarmos a ficar para trás ou de precisarmos de recuperar o atraso. Se não mudarmos as coisas agora, estamos condenados. Numa sala cheia de pessoas do mundo das startups, no Web Summit, ninguém tem no bolso um único produto europeu feito com semicondutores. No entanto, a única máquina que consegue produzir os designs complexos de microchips da TSMC, em Taiwan, foi desenvolvida por uma empresa da Holanda, a ASML. Este é um excelente exemplo de como a inovação surge na Europa, mas revelamo-nos incapazes de produzir aplicações de larga escala para o mercado europeu.
Qual é a solução? Há uma fórmula mágica? Eu acho que sim. Juntamente com Andreas Klinger, Philipp Herkelmann e Vojtech Horna, criamos uma petição que não poderia ser mais simples: precisamos de um EU-Inc, um único sistema de registo e governo de startups na Europa, que permita operar em toda a UE com um único ponto de contacto para todos os Estados membros, para investidores e fundadores. Um registo de empresas on-line, baseado em integrações API e mobile, que permita às empresas conectarem-se, obterem dados fiáveis e criarem serviços em cima disso.
O que há de novo nisto? Um serviço público que permite gerir uma empresa ao abrigo de um único regime, estável e de confiança, que abrange todos os Estados membros, seria um salto quântico para a Europa — já que, neste momento, temos de lidar com 27 regimes jurídicos, se quisermos oferecer bens ou serviços a todo o mercado da Europa.
Um investidor estrangeiro precisa estar confortável com a análise da legislação de cada país específico para poder investir. Seria muito mais fácil, à data, uma empresa mudar-se para Delaware para conseguir captar investimento.
Esta ideia tem já muitos apoiantes. Não só 10.000 dos principais empreendedores e investidores de capital de risco da Europa subscreveram a petição na primeira semana em que foi lançada, como Ursula von der Leyen, desde que saiu o Relatório Draghi, concordou em discutir o chamado “28.º Regime” (pode-se considerar o 28.º regime um Estado-membro virtual) nas reuniões com as Vice-Presidentes Stéphane Séjourné (Comissária para a Indústria) e Henna Virkkunen (Comissária para a Soberania Tecnológica), e do candidato irlandês Michael McGrath, Comissário para a Justiça.
Neste momento, temos de lidar com 27 regimes jurídicos, se quisermos oferecer bens ou serviços a todo o mercado da Europa. Um investidor estrangeiro precisa estar confortável com a análise da legislação de cada país específico para poder investir. Seria muito mais fácil, à data, uma empresa mudar-se para Delaware para conseguir captar investimento.
Agora, temos de garantir que não é apenas mais um conceito ou estratégia acordada na UE, mas que não chega a ser implementada — como foi o Mercado Único Digital. Precisamos de ter certeza de que há um website onde todos os empreendedores se podem registar para gerir as suas empresas na União Europeia.
Com isso, talvez possamos, de uma vez por todas, liderar a partir da Europa, à frente da China e dos EUA. Talvez as pessoas possam começar a dizer “vamos fundar a nossa empresa na Europa, o governo criou um serviço incrível que te permite tratar de todas as questões legais num dia, num só site. De onde eu estou, isto é um verdadeiro “tiro à lua”. Vamos a isso!
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