Portugal e o Brasil de Temer
Temer demonstrou que a relação com Portugal pode servir como um dos instrumentos para exibir o reconhecimento internacional do seu Governo.
No dia 30 de Agosto, Michel Temer fez escala em Lisboa no voo que o levava para Pequim. Aproveitou a ocasião para celebrar uma reunião com Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, tendo a sua assessoria de comunicação divulgado amplamente os gestos de cumplicidade entre os dois presidentes. Este é apenas mais um dos vários encontros registados entre Temer e as autoridades portuguesas desde que assumiu funções, depois da controversa destituição de Dilma Rousseff no ano passado.
Com a queda de Rouseff, Portugal ganhou um destaque especial na política externa brasileira. Ao contrário dos seus dois antecessores imediatos, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, a anterior presidente demonstrara algum distanciamento em relação ao nosso país, tendo as suas presidências sido marcadas por uma política externa muito centrada no espaço latino-americano. Não tenhamos, no entanto, grandes ilusões. Michel Temer não descobriu subitamente as maravilhas de Portugal nem teve uma epifania em relação ao potencial estratégico do país. A forma como o Presidente brasileiro chegou ao poder, a degradação do sistema político e as suspeitas de corrupção em torno da sua figura conferiram-lhe um grau de toxicidade política que dificulta a sua afirmação internacional e que provoca o afastamento de alguns governos.
Que papel joga Portugal em tudo isto? O de quem não tem grandes opções. O Brasil é um parceiro histórico, com quem Portugal mantém fortes laços políticos, económicos e culturais e com quem partilha uma língua que carece de trabalho conjunto para a sua afirmação no contexto internacional. A Presidência da República e o Governo portugueses têm consciência de que, nesta matéria, a “realpolitik” se impõe a princípios éticos ou a alinhamentos ideológicos. O realismo nesta relação bilateral não é, de resto, uma novidade: o Brasil, governado em regime de ditadura militar de direita, foi o primeiro país a reconhecer a mudança de Governo desencadeada pelo 25 de Abril de 1974. Temer demonstrou, desde o início, que tem uma noção clara destas circunstâncias e de que a relação com Portugal pode servir como um dos instrumentos para exibir o reconhecimento internacional do seu Governo.
O grande problema da actual conjuntura parece, no entanto, ser a incapacidade de Lisboa para recolher alguns benefícios do oportunismo de Brasília. As empresas portuguesas que, nos últimos anos, sofreram as graves consequências da crise brasileira continuam a sentir as enormes dificuldades que qualquer (pequeno ou médio) empresário estrangeiro tem num país dominado pelo proteccionismo e por uma burocracia e um sistema fiscal kafkianos. As autoridades portuguesas, mantendo o respeito pela soberania e pelo quadro constitucional brasileiro, deverão ser mais assertivas na demonstração de que Portugal não serve apenas para legitimar Michel Temer e, mais do que nunca, deverão perceber que têm margem para fazer valer os seus interesses e reequilibrar a relação entre as duas partes.
O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.
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