
Portugal pós-fundos europeus: É tempo de poupar mais para investir mais e melhor
Portugal não pode resignar-se a uma trajetória de crescimento anémico que nos empurra para a cauda de nível de vida da UE. Precisamos de poupar mais para investir mais e melhor.
Nos últimos anos, a economia portuguesa beneficiou de um contexto excecionalmente favorável do ponto de vista do financiamento público, mas com mais efeitos a curto prazo do que a longo prazo. Os fundos europeus do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), aliados ao quadro financeiro plurianual 2021-2027 (Portugal 2030), ainda que ambos atrasados na sua execução, criaram condições únicas para investimentos em infraestruturas, transição energética e digitalização, nomeadamente. Neste artigo abordo, de forma sucinta, o desafio de redução dos fundos europeus num futuro próximo.
Começo pela eficácia reduzida da aplicação dos fundos, apresentando dados objetivos.
Se a curto prazo os efeitos positivos dos investimentos sobre o crescimento económicos são notórios, permitindo à economia portuguesa crescer acima da União Europeia (UE) nos anos mais recentes – a par com a retoma do turismo pós-pandemia –, não parece haver efeitos significativos permanentes no crescimento a longo prazo. Os dados sugerem que os fundos europeus foram predominantemente consumidos ou alocados a despesas correntes, em vez de canalizados para investimentos estruturantes com impacto duradouro na produtividade e competitividade da economia.
Com efeito, usando dados do Ageing Report de 2024 da Comissão Europeia, o nosso potencial de crescimento baixa significativamente após 2026, quando termina o PRR, registando um valor médio de 1% ao ano na década até 2033, igual à tendência desde o início do milénio, entre 1999 e 2024.
Essa baixa tendência de crescimento tem levado Portugal a perder posições em nível de vida – ultrapassado por várias economias de leste, que entraram mais tarde na UE, recebendo menos apoios, mas parecem tê-los aproveitado bem melhor –, arriscando-se a cair cada vez mais para a cauda da UE.
Por várias razões que já apontei em anteriores crónicas e não repetirei aqui, o futuro PT-2040 será, com forte probabilidade, significativamente inferior ao PT-2030, pelo que a atual vaga de financiamento europeu será mesmo a última de montante elevado, não tenho grandes dúvidas.
Se no PRR apenas resta procurar executar o mais possível, para não perder fundos – o que será difícil, após duas eleições legislativas antecipadas –, no PT-2030 há que concentrar decisivamente os apoios em projetos de elevada produtividade e valor acrescentado, como tenho vindo a defender.
Temos ainda de efetuar um conjunto de reformas estruturais em várias áreas, como as que apresentei em textos anteriores.
O crescimento económico sustentável, nos próximos anos, dependerá da nossa capacidade de transitar de um modelo ancorado em recursos externos para um modelo assente na mobilização e melhor combinação dos nossos próprios recursos.
Isto significa, em primeiro lugar, reconhecer a fragilidade estrutural da poupança interna. Não vou apresentar valores concretos, mas a equação e as dinâmicas das últimas décadas são fáceis de perceber.
Segundo a contabilidade nacional, o investimento é igual à poupança interna mais a externa, que corresponde ao nosso saldo externo (da balança corrente). Para simplificar, podemos considerar que o saldo da balança de capital – que corresponde, aproximadamente, às entradas líquidas de fundos comunitários, que apoiam sobretudo o investimento – integra o investimento.
A equação significa que o investimento só aumenta de forma sustentada por via da poupança interna. Se esta for baixa, o investimento está dependente da poupança externa (défice da balança corrente), como aconteceu na primeira década do milénio – levando à vinda da Troika – ou da balança de capital, que no nosso caso corresponde à entrada líquida de fundos comunitários, por definição também temporários.
Com a correção do elevado défice da balança corrente no programa de ajustamento 2011-2014, o investimento reduziu-se, pois passou a depender da poupança interna, estruturalmente baixa, e sobretudo dos fundos da UE, vertidos na balança de capital, como referi.
A balança corrente passou a ligeiramente superavitária, em média, a refletir um aumento das receitas do turismo, mas também uma melhoria da balança de bens – porque as empresas tiveram de se voltar para o mercado externo e as exportações, um resultado estrutural positivo do programa de ajustamento –, mas permanecendo, ainda assim, estruturalmente deficitária. Tal deve-se a uma economia pouco competitiva e pouco diversificada, com um setor industrial ainda insuficientemente desenvolvido – para tal muito contribui a 2ª maior taxa de IRC nominal e efetiva na UE, como já referi em anteriores textos.
A baixa poupança interna resulta de níveis reduzidos de poupança das famílias, bem como do setor público, que apenas nos anos mais recentes apresentou saldos orçamentais positivos, mas a Comissão Europeia aponta já para um défice de 0,6% em 2027 se não houver uma alteração de rumo.
Conclui-se, assim, que para aumentarmos o investimento – o que é crucial para elevar a produtividade e nível de vida – num contexto de redução de fundos europeus no futuro, é crucial elevar a poupança das famílias e uma reforma do Estado que consiga reduzir o peso da despesa corrente em favor de mais investimento público e uma baixa da carga fiscal (de IRC e de IRS), potenciadora da competitividade e da atração de investimento direto estrangeiro.
O aumento da poupança das famílias e a sua canalização para investimento produtivo, incluindo o dirigido à inovação, requerem mais algumas alterações importantes, com realce para:
(i) O desagravamento fiscal da poupança e regras fiscais mais simples.
(ii) A criação de novos instrumentos financeiros atrativos e adequados aos vários perfis de riscos das famílias e às necessidades e perfil do nosso tecido empresarial.
(iii) O desenvolvimento do capital de risco, para apostar em projetos inovadores.
(iv) Um envolvimento dos fundos de pensões em alguns dos novos instrumentos – com alocações adequadas aos respetivos perfis de risco –, conferindo-lhes maior massa crítica.
(v) A promoção das qualificações e da literacia financeira da população em geral, em particular nas gerações anteriores – incluindo trabalhadores e empregadores, sobretudo das empresas de menor dimensão –, para termos decisões mais racionais e potenciadoras de uma melhor alocação do capital.
(vi) Um ecossistema institucional que premie o mérito, a inovação e o risco.
Só assim conseguiremos reequilibrar a nossa economia rumo a um futuro de maior progresso, além de outras reformas estruturais importantes, que apontei em artigos anteriores, várias das quais também relevantes na equação, pois só é possível as famílias pouparem com mais rendimento disponível, para não prejudicarem os níveis de consumo – estou a falar, nomeadamente, além do desagravamento do IRS (já referido), de medidas inovadoras e mais eficazes na redução do custo da habitação, e uma maior eficiência do sistema de proteção social e do sistema de saúde público, que baixe o custo total de saúde das pessoas.
Conclusão
Portugal vive hoje o fim de um ciclo excecional de financiamento europeu, que não terá continuidade com a mesma escala e generosidade. O desafio que se coloca é, portanto, o de uma transição de fundo: de uma economia apoiada por fundos comunitários para uma economia capaz de gerar endogenamente os seus próprios recursos de forma sustentada e produtiva. Esse caminho exige ambição e visão estratégica, mas, acima de tudo, vontade política e capacidade de execução.
A elevação da poupança interna – tanto pública como privada – é condição essencial para sustentar o investimento e promover o crescimento económico duradouro. Mas não será suficiente sem uma reorientação clara das políticas públicas, uma maior eficiência do Estado, incentivos adequados à inovação e ao investimento produtivo, e um verdadeiro compromisso com a criação de condições de confiança e desagravamento fiscal para quem investe e para quem trabalha.
Portugal não pode resignar-se a uma trajetória de crescimento anémico que nos empurra para a cauda de nível de vida da UE. Os próximos anos exigem escolhas difíceis, mas também representam uma oportunidade histórica para reformar e reposicionar a nossa economia com maior ambição. O tempo de adiar reformas estruturais chegou ao fim. Precisamos de poupar mais para investir mais e melhor.
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