Poupar é fácil, mas ver a poupança render já exige milagres
A poupança dos portugueses está a crescer, mas acaba enterrada em produtos financeiros medíocres. Somos campeões a poupar, mas especialistas em investir mal.
No Dia Mundial da Poupança, toda a gente se apressa a dizer que os portugueses têm de aprender a poupar mais. E cá estamos nós, como quem espera pela leitura do horóscopo, à espera do milagre financeiro de cada mês.
Já fomos acusados de ser gastadores, de viver acima das nossas possibilidades, de andar sempre pendurados nos cartões de crédito e nas aspirinas do subsídio de Natal. Mas a verdade é que os portugueses não poupam pouco, aplicam é mal essas poupanças — e nem sempre é por culpa própria.
A taxa de poupança das famílias atingiu os 12,6% no segundo trimestre de 2025, de acordo com dados do INE. Num país onde a inflação costuma ser mais regular que os transportes públicos, isto só prova que afinal há muitas famílias a meter algum dinheiro de lado todos os meses. O verdadeiro drama está para onde voa a poupança.
Vivemos num país onde a oferta de produtos financeiros tradicionais chega a ser uma tragicomédia digna de um festival de humor negro. Os depósitos a prazo, que agregam mais de 50% do património financeiro das famílias, batem recordes de popularidade, apesar da sua remuneração parecer estar em férias prolongadas, mas sem direito a brindes ou upgrades. Os bancos não só remuneram cada vez menos as poupanças das famílias, como qualquer depósito hoje paga menos do que a taxa oficial da inflação, o que significa que cada euro posto a render é um euro encolhido pelo tempo e pelo preço das batatinhas.
Já para o longo prazo, temos a “maravilha” dos PPR. São mais de 1.000 os produtos que circulam nas prateleiras das seguradoras e bancos, uns com nomes quase tão criativos como os iogurtes magros do supermercado, outros com a transparência de um copo de água da torneira salgada. Resultado: quase todos são incapazes de bater a inflação e muitos chegam a cobrar comissões bem acima do que oferecem aos investidores (ou seja, pagam mais ao gestor do que ao investidor).
É o investimento ideal para quem acha que ganhar menos do que a inflação é um plano de reforma responsável, ao mesmo tempo que são atraídos pela cenoura do benefício fiscal à entrada, que no final do dia se traduz numa mera ilusão.
Se todos soubéssemos distinguir entre uma onda passageira e um naufrágio, talvez o dinheiro dos portugueses navegasse por mares menos agitados e mais rentáveis.
O mesmo sucede com a panóplia de seguros de capitalização, muitos fundos de fundos, e até os muitos produtos estruturados lançados no mercado carregados de comissões e de rendibilidades vergonhosas. Mas a cereja no topo do bolo é a prática recorrente dos bancos a promoverem spreads mais baixos no crédito à habitação (o produto estrela do setor), com a condição de empurrarem as poupanças das famílias para produtos medíocres.
A banca chama a esta prática recorrente “vendas associadas facultativas”, que é permitida pela lei, apesar de, na prática, estar quase a praticar “vendas associadas obrigatórias”, dado o custo para que dispara o spread do crédito da casa caso não se subscreva o cartão de crédito (que não se precisa), o PPR (que não rende nada), o seguro de vida (que é estupidamente caro) ou o depósitos a prazo (cuja remuneração fica a milhas de profundidade da inflação).
Mas o drama da poupança em Portugal não se resume à oferta de produtos maus. Está também na forma como toda esta oferta é colocada à disposição de aforradores e investidores. Se há dois conceitos que o setor financeiro gosta de misturar, são volatilidade e risco, tratando-os como se fossem irmãos gémeos da desgraça financeira, quando são conceitos bem distintos.
- A volatilidade é como aquele dia de praia em que o mar está picado e o barco balança de um lado para o outro. São as oscilações dos preços, é o sobe e desce dos mercados que tantas vezes é pintado como uma ameaça ao seu dinheiro. Porém, na esmagadora maioria das vezes, estas marés passam e o barco lá chega à outra margem. Ou seja, são variações temporárias que fazem com que o pico das marés no curto prazo se torne numa maré estável no longo prazo e se revela num aliado dos investidores.
- Já o risco, esse sim mete respeito: é quando o barco vira de vez e os tripulantes ficam com os pés molhados. É a possibilidade de perder o investimento para sempre. E é aqui que muitos caem na armadilha. O setor financeiro ensina-nos a fugir da volatilidade como se fosse um tubarão, mas raramente fala do risco real: investir mal, em produtos maus que nunca vencem a inflação e têm comissões mais altas do que a maré.
Se todos soubéssemos distinguir entre uma onda passageira e um naufrágio, talvez o dinheiro dos portugueses navegasse por mares menos agitados e mais rentáveis. E é por isso que a solução para promover mais e melhore poupança não está numa carga fiscal light para as mais-valias, nem em benefícios fiscais mais robustos para produtos de poupança, como tantas vezes várias vezes profissionais do mundo financeiro e associações nos apregoam.
Não adianta dar vinho bom em copos rachados. Se os produtos forem maus, de pouco valem os incentivos. O segredo é, pasme-se, os gestores, seguradoras e bancos terem vergonha de vender produtos que nem a inflação batem, e esforçarem-se por oferecer ao poupador-investidor opções dignas, transparentes e verdadeiramente rentáveis.
Literacia financeira a sério é saber olhar para a oferta, chamar os bois pelos nomes e recusar produtos maus, caros e opacos, como (quase) todos os PPR que nos vendem nos balcões.
Fala-se muito de literacia financeira como se fosse um workshop de origami patrocinado por quem quer vender fundos multicomissões ou soluções de crédito consolidado. Aprender literacia financeira é fundamental, mas não para escolher entre “temos muita variedade de produtos para isto e para aquilo”.
Literacia financeira a sério é saber olhar para a oferta, chamar os bois pelos nomes e recusar produtos maus, caros e opacos, como (quase) todos os PPR que nos vendem nos balcões. Só assim deixamos de confundir poupança com investimento. Só assim deixamos de ser clientes resignados e passamos a ser investidores exigentes.
E aí, talvez, Portugal deixe de ser o país que poupa muito mas investe poucochinho, para ser finalmente o país que sabe investir bem as suas poupanças.
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