Preço da derrota autárquica do PCP: 2% de IRC
De um lado está o que o país precisa para ser mais competitivo. Do outro, está o que a solução governativa precisa para sobreviver. Claro que o país é sempre o elo mais fraco.
Sempre a inovar na política, chegámos a um novo conceito: a reparação devida a partidos por danos eleitorais.
No dia 27 de Setembro, questionado sobre a possibilidade de aumento do IRC que o PCP e o Bloco de Esquerda começavam a colocar no seu menu orçamental, o ministro da Economia respondeu assim: “O que houve nos últimos dois Orçamentos foi um desagravamento fiscal e o que tem havido na generalidade dos impostos é uma estabilidade fiscal. É nesse sentido que estamos a trabalhar e é um enorme contraste com o que aconteceu no período anterior em que houve fortíssimos agravamentos fiscais muito penosos quer para as empresas quer para os trabalhadores”.
Portanto, como qualquer pessoa entenderia desta reacção, o IRC não subiria. Podia não descer, como o PSD e o PS ainda há três anos planearam, mas pelo menos a estabilidade fiscal estaria garantida. Palavra de ministro da Economia, que sabe bem os danos que estas coisas provocam, ele que fala diariamente com empresários e gestores.
Este sábado, questionado sobre o mesmo assunto, o ministro da Economia respondeu assim: “O que é importante é garantir que não vai haver um aumento da carga fiscal, e isso o OE garante, e ao mesmo tempo que também não há baixas de impostos que põem em causa a consolidação orçamental. Vamos ver o que sai do debate (…) As propostas nesse sentido iam afetar só as empresas com mais de 35 milhões de lucro”. Portanto, do princípio da “estabilidade orçamental” e do “enorme contraste com o que aconteceu no período anterior em que houve fortíssimos agravamentos fiscais” passámos, tão só, a relevar que não haja “um aumento da carga fiscal” e a desvalorizar os princípios de há umas semanas porque, afinal, estamos a falar de apenas algumas empresas.
O que se passou no país entre um momento e outro é que ocorreram eleições autárquicas. E nestas, como sabemos, o PCP sofreu um forte abalo com a perda de um terço das autarquias que liderava – como Almada, Barreiro, Alcochete e Beja, entre outras – e o Bloco manteve a sua inexistência a nível local. Em contrapartida, o grande vencedor foi o PS.
O que se adivinhou desde então é que o alarme eleitoral iria aumentar as exigências dos derrotados dentro da solução governativa. Depois de dois anos a suportarem execuções orçamentais que estão a ir “além da troika”, a aprovarem cortes no investimento público e na despesa de serviços públicos, a obrigarem-se a desumanos silêncios com a tragédias dos incêndios ou a palhaçada de Tancos, entre outros “sapos” engolidos, alguma coisa teria que ser feita com a marca inconfundível da extrema esquerda.
Foi assim que nas últimas semanas começaram a aparecer na rua cartazes do PCP a reclamar para si os louros do aumento das reformas e o discurso político dos comunistas passou a ir todo nesse sentido: as medidas populares são nossas e não fosse o espartilho do PS de as suas “limitações no que diz respeito às imposições da UE e à prevalência dos interesses do grande capital” e poderíamos ir muito mais longe.
Pois cá estamos agora a ir mais longe. Aumentar a derrama de IRC de 7% para 9% para as empresas de maior dimensão é o preço muito pesado que a economia vai pagar pela derrota autárquica da extrema esquerda. Que melhor “prova de vida” comunista pode encontrar-se do que pôr as maiores empresas a pagar mais impostos?
Nesta, como noutras decisões, percebe-se o embaraço de Manuel Caldeira Cabral. De um lado está o que o país precisa para ser mais competitivo. Do outro, está o que a solução governativa precisa para sobreviver. No caso concreto, a colisão entre ambas é gritante. E claro que o país é sempre o elo mais fraco na relação com os interesses partidários de curto prazo.
Bem pode o ministro da Economia dizer que são apenas algumas empresas. É verdade. Serão algumas dezenas, as empresas que lucram mais de 35 milhões de euros por ano e que vão pagar cerca de 30% de IRC. Mas não nos iludamos. Este é o número que empresários e gestores conferem quando decidem onde fazer investimentos. Porque a atracção de investimento produtivo dirige-se a grandes projectos, daqueles com dimensão suficiente para optar entre Portugal ou a Hungria, entre a Espanha ou a Roménia. Já agora, olhemos para algumas das taxas de IRC na Europa (já nem é preciso falar dos 12,5% da Irlanda): Hungria, 9%; Chipre, 13%; Lituânia, 15%; Polónia e República Checa, 19%; Reino Unido, 20%.
Dizer que o aumento de IRC é apenas para um pequeno conjunto de empresas sem acrescentar que esse pequeno conjunto é precisamente o alvo da mítica atracção de projectos de investimento é não contar a verdade toda.
Claro que o modelo económico e social defendido pela extrema esquerda despreza e abomina esse “grande capital” da Autoeuropa, da Bosch, da Unicer, da Navigator Company, da Galp ou da Corticeira Amorim. Mas podem ficar descansados. O “grande capital” dos projectos industriais a longuíssimo prazo será cada vez mais uma raridade na economia portuguesa. Atrair novos, para além de “call centers” e serviços partilhados de apoio à gestão, é uma ilusão. E mesmo manter os que existem não é fácil. Muitos só se mantêm por cá porque o custo de deslocalização para outros mercados é enorme. Senão já cá não estariam. Quem gosta de ser maltratado desta forma?
Se a cegueira ideológica da extrema esquerda não surpreende, o papel a que o PS se está a prestar neste “trabalho” não deixa de ser lamentável. Sem indústria, sem projectos com dimensão internacional que possam ser estruturantes para alguns sectores, sem unidades que induzam e apliquem a investigação e inovação que se vai fazendo nalgumas universidades, sem uma prespectiva de crescimento para as startups que vão surgindo, vamos ficar cada vez mais dependentes do investimento nómada, aquele que muda de país num estalar de dedos, com poucos custos de instalação. Ou então do turismo, que é ainda mais volátil, como os países do Norte de África podem testemunhar.
Mas sobretudo muito mais dependentes do Estado, das suas ineficiências e corporações que nunca nos levarão a lado nenhum, como já tivemos tempo de aprender.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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