Quando o PCP celebra a revolução de 1917
Na semana em que se celebra os 30 anos da queda do muro de Berlim, o PCP decidiu celebrar a revolução bolchevique de 1917, que marcou o início de uma experiência política que só causou miséria.
Na mesma semana em que a Europa celebrou o trigésimo aniversário da queda do muro de Berlim, que representou a vitória da liberdade sobre a opressão, o Partido Comunista Português (PCP) decidiu celebrar a revolução bolchevique de 1917, que marcou o início de uma experiência política que só causou miséria. São escolhas e cada um é livre de fazer as suas. Porém, não há como fugir à História do século XX nem como reescrevê-la: a União Soviética foi um falhanço colossal e encontrou em Estaline um dos líderes políticos mais sanguinários de todos os tempos. Lamentavelmente, o PCP continua a tentar convencer-nos do contrário.
Sinal desse estado de negação, discursando no jantar-comício comemorativo dos 40 anos da juventude comunista, o senhor secretário-geral do PCP afirmava há dias que “por muito que gritem os defensores da teoria do fim da História, por muito que celebrem, como se final fosse, a destruição da União Soviética e do campo socialista, é mesmo esse mundo novo, democrático, de prosperidade para todos, de esperança e felicidade que teimamos a construir. As forças do capital e os serventuários ao seu serviço chegam ao ponto de fazer aprovar resoluções no Parlamento Europeu onde procuram equiparar o Nazismo aos que o combateram e derrotaram, aos que sofreram às suas mãos, igualando algozes e vítimas”.
Enfim, é incompreensível como é que trinta anos depois da queda do muro – e dentro em breve trinta anos depois do colapso da própria União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – haja ainda quem persista em remeter para aquele ideário expressões como “mundo novo”, “democrático”, “de prosperidade para todos” ou “de esperança e felicidade”. Só por eterna ingenuidade será possível fazê-lo de boa fé, mas, provavelmente, foi por isso que levaram aquelas palavras para um comício com a juventude. Felizmente, a juventude tem hoje a liberdade e o sentido crítico que outras juventudes, vítimas dos seus algozes, não tiveram outrora oportunidade de usufruir. Estaline, é sempre importante recordar, eliminou milhões.
As imagens que, hoje, qualquer arquivo histórico nos proporciona, sobre o muro de Berlim ou sobre a própria URSS, mostram-nos as consequências do ideal comunista. Populações sitiadas – para o “bem do povo”, é claro –, homens de metralhadora, censura, tortura, perseguição e miséria. Populações em fuga, votando com os pés, fugindo em desespero do tal ideal que, nas palavras do senhor secretário-geral do PCP, “corresponde de tal forma às necessidades e aspirações mais profundas no nosso povo, que um dia será dele o futuro”. As imagens de arquivo mostram-nos também, mas em sentido inverso, populações exultando de alegria e libertação sempre que o ideal comunista vai dar uma volta, desaparecendo de cena.
O exemplo da Alemanha de leste, antes conhecida como República Democrática Alemã (RDA), é paradigmático. Em 1989, à data da queda do muro, depois de quase quarenta anos sob jugo comunista e da Stasi, a RDA registava um PIB per capita de pouco mais do que 40% da vizinha Alemanha ocidental. Hoje, trinta anos após a reunificação, a Alemanha de leste evidencia um PIB per capita de quase 80% do nível registado na parte ocidental. A convergência tem sido significativa e, ajustando os valores pela paridade do poder de compra, dentro de alguns anos a convergência será provavelmente total. Que os próximos trinta anos sejam tão bons quanto os últimos trinta, com a mesma abertura e a mesma liberdade.
O capitalismo representa o triunfo do racionalismo individual, afirmou certo dia Schumpeter. Do ponto de vista económico, a sua grande vantagem sobre a alternativa socialista resulta da capacidade do capitalismo em incentivar o crescimento da produção total a partir da produção das pessoas individualmente tomadas. Já o socialismo, partindo de uma alegada racionalidade colectiva, leva à estagnação da produção por via dos desincentivos que cria ao nível individual das pessoas. Na verdade, a racionalidade colectiva não existe. Não passa de um (perigoso) ideal.
São três as dimensões que distinguem o capitalismo do socialismo. A dimensão sociológica que remete para o elevador social no capitalismo e para a luta de classes no socialismo. A dimensão económica que opõe a teoria da utilidade marginal e o sistema de preços livres, do primeiro, à teoria do valor trabalho e à apropriação de um alegado excedente social, do segundo. Por fim, a dimensão ética e o confronto entre as ideias do bem objectivo, a abordagem utilitarista do capitalismo, e do bem subjectivo, que traduz o ideal comunista e legitima a colectivização das vontades.
O primeiro é o mundo da liberdade individual e do avanço civilizacional. O segundo é o mundo dos algozes e das vítimas. Eu quero viver no primeiro, logo, celebro a queda do muro.
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