Quem é feio ou velho não entra no TikTok
A muito popular aplicação Tiktok censura conteúdos feitos por pessoas pobres, feias ou deficientes. É mais uma página negra da história do digital.
Uma investigação do site Intercept revelou que a famosa aplicação TikTok exclui ativamente conteúdo produzido por pessoas pobres, feias, velhas ou deficientes. Como é uma aplicação originada na China, já se sabia que estaria condicionada às habituais censuras políticas e culturais.
Qualquer ataque ao regime chinês e aos seus feitos ou menções a desastres e problemas é ativamente eliminado e os seus utilizadores chineses perseguidos, mas agora ficou exposta também a tentativa insidiosa de promover um ideal de adequação a padrões de beleza “normais” e “saudáveis”. Ficamos assim a saber que “traços faciais feios” incluem “pessoas idosas com muitas rugas”, “cicatrizes” e “deformidades como estrabismo” são recusados ou limitados; idem para “formas corporais anormais” como “gorduras” e “magreza excessiva” e ainda casos de “nanismo”. As censuras estendem-se aos ambientes em que os vídeos são feitos, com limitação algorítmica caso se trate de “casas pobres” ou “ambientes rurais”, excetuando algumas paisagens campestres “lindas”.
Tudo isto em nome da retenção de novos utilizadores, que é considerado o Santo Graal das aplicações e que determina o seu crescimento. Assim sendo, todos os conteúdos que fujam do ideal de popularidade vêm o seu impacto reduzido e o alcance limitado, de forma a não assustar os novos utilizadores. É uma forma de censura promovida por humanos e executada por ordens algorítmicas que configuram o novo normal trazido pelo mundo digital e que neste caso se dirige especificamente a crianças e adolescentes.
Infelizmente, o problema não está confinado ao Tiktok. Estende-se aos grupos fechados do Facebook, às recomendações racistas do Youtube, ao discurso de ódio no Twitter e no Instagram. Os algoritmos que regulam o conteúdo manipulam ativamente o que se vê e estimulam emoções básicas para maximizar o tempo passado em cada uma destas plataformas.
As aplicações de redes sociais são basicamente casinos em que cada estímulo é pensado para convencer o utilizador a ocupar mais tempo no produto, porque essa é a melhor forma de lhes passar publicidade que depois é vendida a preço de ouro. Na gíria do meio, é uma técnica conhecida como “agarrar globos oculares” – e não tem qualquer contemplação pelas consequências sociais que provoca.
Estas apps promovem valores. Valores esses que podem estar nos antípodas daquilo que os pais – e a sociedade em que eles se inserem – desejam para os seus filhos. Estão em causa valores como a liberdade de expressão, o respeito pelo outro, a visibilidade das minorias e outros aspetos que mexem com a forma como nos relacionamos. E tudo isto subverte a experiência social tradicional, porque o digital é por natureza avesso a regulamentações. E é assim que pais que se preocupam com a qualidade e a mensagem dos brinquedos que compram para os filhos deixam-nos usar apps que provocam muitos mais danos. É também assim que convenções sociais como limitações aos horários televisivos, para impedir que crianças acedam a certos conteúdos, sejam torpedeadas por aplicações que fazem isso e muito mais.
Mas não nos queixamos nem reagimos, porque não entendemos o que se passa no mundo fechado destas aplicações que executam linhas de programação definidas por humanos sem escrúpulos. A escolha informada é a única eticamente defensável. Saber o que existe, as regras que os moldam e as consequências do seu uso são a única forma de tomar decisões conscientes.
Ler mais: Há centenas de livros sobre o caráter viciante das redes sociais, muitos de qualidade duvidosa. Os melhores explicam como a lógica do casino e as técnicas de design influenciam o tempo lá passado, mas podem ser muito técnicos e difíceis de entender. Um que trata o tema de forma perfeita é o Ten Arguments for Deleting Your Social Media Accounts Right Now, que vem valorizado pelo seu autor. Jaron Lanier é um dos pioneiros da Web e da realidade virtual e continua a trabalhar ativamente na construção do mundo digital.
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