Queremos conduzir um Mercedes e pagar por um Dacia

O salário do ex-futuro-Secretário-Geral do governo, Hélder Rosalino, voltou a trazer o tema para cima da mesa e está na hora de o discutirmos com seriedade.

O salário dos políticos é um daqueles temas que preocupa meia dúzia e indigna boa parte do país, bastando, para isso, referi-lo. Contudo, não podemos continuar a assobiar para o lado, fazendo de conta que o tema não existe, ou que os políticos são bem pagos. O salário do ex-futuro-Secretário-Geral do governo, Hélder Rosalino, voltou a trazer o tema para cima da mesa e está na hora de o discutirmos com seriedade.

Todos nos lembramos do circo montado pelo Chega aquando da simples reposição do corte de 5% nos salários dos titulares de cargos políticos. A restituição deste valor, foi um ato de elementar justiça. Já se passaram quase 15 anos e as razões do corte já há muito desapareceram. Era, hoje, perfeitamente anacrónico.

O populismo do Chega e companhia é barato, fácil e provavelmente encontra rápida repercussão no país (seria interessante ver sondagens sobre este tema). Num tempo de perceções, talvez a perceção da população em geral seja de uma classe estruturalmente incompetente, privilegiada e até potencialmente corrupta. Neste cenário, num país de baixos salários, reconheço que o choque com o tema seja natural.

Por parte de Ventura a posição era evidente. Diz que prescinde do aumento, mas não pode. Veremos se o doará, mas é irrelevante. O número está feito e já se viu que naquele pano, as nódoas caem, mas parecem não sujar. Os vencimentos para os cheganos são mais que bons, veja-se lá que, segundo a Sábado, a deputada do Chega, Sandra Ribeiro, ganhava apenas de 280€ mensais. Mais – “Em média, cada deputado do Chega duplicou o rendimento anual quando chegou à Assembleia da República”. Passem pela reportagem, as bizarrias parecem não ter fim. Se um dia houver necessidade de procurar mesmo por qualidade, pode ser que esta posição se mude.

Por outro lado, todos os que já aceitaram ou propuseram ofertas de emprego sabem que o salário é o elemento central. Claro que o desafio e o gosto pela causa são essenciais, mas nada disso paga contas. A qualidade, competência, integridade que queremos dos nossos representantes tem de ser paga. Exigimos, e bem, que os nossos políticos sejam responsáveis perante o povo, aceitem níveis de exposição mediática recorde e anuam com restrições profissionais consideráveis no fim das suas precárias funções políticas. Tudo isto e quando se discute aumentar salários, a oposição é ensurdecedora.

Vamos aos números. O problema não é de todo só nos mais altos cargos da nação, segundo o Mais Factos, um deputado em regime de exclusividade ganha apenas 2/3 do que ganha um Engenheiro de Software com mais de 5 anos de experiência, em Lisboa. E agora se pensarmos num Presidente de uma pequena autarquia ou num vereador claramente percebemos que o problema é estrutural.

Procurei, então, números que nos comparem com os nossos parceiros da UE. Desta feita, a agregação dos dados é minha, retirados do site PoliticalSalaries.com.

Comparado com os seus congéneres europeus, como de esperar, o salário do nosso Primeiro-Ministro peca por escasso. É metade da média europeia em valor absoluto (USD) e inferior em % do PIB per capita. É inferior inclusivamente à mediana da União, nos mesmos parâmetros. Aliás, em % do PIB per capita, aqui usado como proxy das remunerações do país, só mesmo 7 países da UE pagam menos que nós. É factual, até em comparação internacional, os nossos políticos são mal pagos.

Quem vai aceitar sacrificar o seu salário para aceder à minuciosa inspeção da Comunicação Social? Destacaria três grupos: reformados, ricos ou gente que não ganharia estes salários noutra situação qualquer da sua vida. A menos que queiramos uma gerontocracia, uma plutocracia ou uma caquistocracia, respetivamente, ou um misto das três, não creio que o modelo atual seja solução.

Claro que este afunilamento de opções é um exagero. Há muita gente competente, capaz e com boa vontade no exercício da coisa pública. Porém, também é certo que este nível de salários impede muita gente de se aproximar. Para além disto, a vida pública é precária. Os últimos anos têm sido exemplo disso, o atual governo talvez disso seja espelho. Assim, é ainda mais difícil para quem vier do setor privado aceitar funções públicas.

A responsabilidade de mudar isto, passa essencialmente pelos partidos. Trabalhem por dignificar as funções que ocupam, por afastar do exercício da res pública aqueles que dela se querem aproveitar ou até mesmo mercadejar. Abram as vossas portas a novas caras, a gente vinda de fora, que não repita os apelidos ou os vícios tantas vezes revistos. Repensem a lei eleitoral com listas abertas, onde o caciquismo perde poder. E não se deixem cair na tentação de nomear sem transparência ou na base da cor do cartão de militante.

Toda a nossa vida, desde as compras do quotidiano, aos salários no fim de mês se rege segundo um princípio – se queres melhor, paga mais. Todos sabemos e concordamos, porque pagamos ou exigimos que nos paguem mais. Por alguma razão quando falamos de políticos pensamos ao contrário. Queremos o político topo de gama: competente, que não se engana, bem-falante, que lide bem com o escrutínio, íntegro e que aceite ainda mais uma carrada de limitações laborais no fim das suas funções e, no fim, queremos pagar-lhe menos. Deve ser um paradoxo português. Tudo isto é perigoso. É um jogo de incentivos e estes são errados.

Confesso que gostava, mas nem aos jogadores do meu FCPorto peço amor à camisola tamanho que os obrigue a ficar aqui a ganhar muito menos do que o que podem aspirar noutros voos. Por que razão acharemos que a causa pública o exige? Por que razão temos mais compaixão com os futebolistas principescamente pagos? Talvez, assim, continuemos a conduzir Dacia enquanto bradamos por um Mercedes.

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