Regras orçamentais e competitividade

Ter regras orçamentais europeias com alguma lógica e com algum alinhamento com as prioridades estratégicas atuais da UE deveria ser um objetivo mínimo alcançável no curto prazo.

A divergência económica entre os EUA e a UE terá seguramente causas variadas, mas é impossível ignorar que a divergência surge sobretudo no pós-crise financeira de 2008 e que está ligada a políticas orçamentais divergentes. É evidente que a visão pré-keynesiana da política orçamental limitou fortemente o crescimento económico, atrasou a recuperação europeia pós-crise e teve efeitos estruturais muito negativos na competitividade da UE. Com os temas da competitividade no topo da agenda da nova Comissão Europeia, seria importante não excluir as regras orçamentais da discussão.

Tendo a UE planos ambiciosos nas transições energética e digital, e sendo ambas determinantes para a competitividade futura da UE, não faz sentido não haver, nas atuais regras orçamentais, um tratamento diferenciado para despesas relacionadas com essas duas áreas: despesa é despesa e um euro em pensões é equivalente a um euro em investimento em inovação. Para além de não distinguir tipos de despesa, as regras orçamentais também determinam que, para efeitos de sustentabilidade da dívida, o multiplicador é fixado em 0,75 para todo o tipo de despesa. Ou seja, a despesa corrente e o investimento são, por definição, adversários da sustentabilidade financeira. Seja qual for a despesa e seja qual for o investimento.

Se queremos pôr em prática as recomendações do relatório Draghi, talvez fica algum sentido começar por aqui, tentando devolver alguma racionalidade às regras orçamentais europeias, alinhando-as com as necessidades de despesa e investimento nas áreas consideradas estratégicas. Havendo planos, metas, objetivos, que sentido faz que a despesa e o investimento necessário para cumprir essas metas e esses objetivos tenham um tratamento indistinto face a todas as outras áreas da despesa pública? Que sentido faz que a despesa com pensões ou investimento em inovação não só tenham o mesmo tratamento, como tenham o mesmo multiplicador de 0.75?

Com as regras vigentes não só não há diferença entre aumentar pensões ou investir em inovação, como esse investimento é entendido como tendo exatamente o mesmo impacto na economia e na sustentabilidade da dívida. Esta não diferenciação da despesa fez com que, por exemplo, no pós-crise de 2008, políticas de inovação e apoio às renováveis fossem sacrificadas, tendo esse abandono sido aproveitado, com enorme sucesso, pela China. O setor solar fotovoltaico foi inicialmente desenvolvido na UE, mas depois encontrou na China a estabilidade e a visão de longo prazo que faltavam na Europa. O resto da história é conhecida. Mas isto mostra bem como a miopia europeia, reforçada por regras orçamentais ilógicas e sem a devida articulação com outras áreas da política económica e de inovação, para além de impor custos desnecessários de curto prazo, podem ter efeitos estruturais perversos na UE.

Como é evidente, os problemas europeus vão muito para além das regras orçamentais, porque não ser uma federação penaliza a UE face aos EUA de forma estrutural. A União bancária, a união dos mercados de capitais, um orçamento federal a sério e com capacidade de endividamento para investir no futuro – tudo isto são elementos centrais da economia americana e que não existem na UE. Não existem e dificilmente vão existir. Essa é uma desvantagem, digamos assim, que aparenta ser estrutural e inultrapassável. Mas ter regras orçamentais com alguma lógica e com algum alinhamento com as prioridades estratégicas atuais da UE devia ser um objetivo mínimo alcançável no curto prazo e que, se fosse concretizado, não deixaria de ter um impacto importante na economia europeia.

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