Resiliência Climática: Implicações e Estratégias para o Setor Segurador

  • Helena Chaves Anjos
  • 11:23

Helena Chaves Anjos quer transformar ameaças da transição climática em oportunidades para as seguradoras se readaptarem aos novos tempos e aos desafios que a União Europeia coloca.

A transição para uma economia de baixas emissões, alinhada com o pacote da Comissão Europeia, Fit-for-55, tem por objetivo a redução das emissões de gases com efeito estufa de 55% até 2030, colocando o setor financeiro europeu perante desafios inéditos. Este pacote legislativo reforça a necessidade de investimentos massivos em energias limpas e inovações tecnológicas, promovendo o alinhamento do sistema financeiro com os desafios de sustentabilidade e garantindo a resiliência financeira, face aos riscos de transição e riscos físicos, decorrentes das
alterações climáticas.

A importância dos exercícios climáticos

Neste contexto, os exercícios climáticos realizados pelos supervisores dos setores financeiros, em colaboração com o Banco Central Europeu, representam uma importante iniciativa para avaliar a resiliência de bancos, seguradoras e dos fundos de pensões aos choques de natureza climática. Estes testes permitem avaliar os riscos climáticos, no quadro prudencial financeiro, e orientar as estratégias de mitigação e de adaptação, essenciais para enfrentar as alterações climáticas na transição energética. Os recentes testes de esforço à resiliência climática, realizados no âmbito do Fit-for-55, cujos resultados foram divulgados no passado dia 19 de novembro, integram, assim, os objetivos da União Europeia de reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, promovendo a transição dos setores financeiros para uma transição ordenada da economia neutra em carbono até 2050. Estes testes destacam-se, ainda, como uma ferramenta essencial para compreender a resiliência do setor financeiro europeu face aos desafios impostos pela transição verde. Estes exercícios além de constituírem uma excelente base de avaliação da exposição aos riscos climáticos; São um guia para o reforço da capacidade do sistema financeiro em apoiar uma economia neutra em carbono.

Metodologias de avaliação sistémica e horizontes de análise

Diferentes dos testes tradicionais i, estes exercícios integram cenários de transição climática com horizontes mais amplos, até 2030, e consideram não apenas os riscos financeiros habituais, mas também os efeitos de segunda ordem, como o contágio entre vários setores e a amplificação sistémica, decorrentes de choques macroeconómicos. Ambos são realizados numa perspetiva de balanço estático sem ações ou reações de gestão dinâmicas. O objetivo é avaliar como os bancos, seguradoras e fundos reagem a choques associados à transição para uma economia verde. Os testes do Fit-for-55 distinguem-se pela sua abordagem top-down, conduzidos pelas autoridades, aplicando choques simultâneos e imediatos às carteiras financeiras, sem considerar ações de gestão reativas. Diferentes dos testes tradicionais, de abordagem bottom-up, produzidos pelos operadores sob orientação das autoridades, estes centram-se nos efeitos intersetoriais e na amplificação sistémica dos efeitos de contágio de segunda ordem, cobrindo três cenários:

  • Cenário Base: Prevê uma transição verde ordenada, com custos iniciais compensados por benefícios a prazo;
  • Cenário Adverso 1: Prevê um choque “Run-on-Brown” de desvalorização súbita de ativos de carbono intensivos;
  • Cenário Adverso 2: Ampliação do anterior, com choques macroeconómicos adicionais de tensões geopolíticas.

O horizonte temporal mais alargado de oito anos de 2022 até 2030 reflete a complexidade dos riscos climáticos e as exigências da transição, contrastando com os horizontes de três anos habituais nos testes de esforço setoriais.

Resultados dos impactos para os diferentes setores

Os resultados preliminares destes testes demonstram diferenças significativas entre os setores financeiros:

  • Bancos: Estão inicialmente expostos a perdas significativas no cenário de base, devido à exposição direta ao riscos de crédito. Contudo, os bancos conseguem manter uma maior resiliência nos cenários adversos;
  • Seguradoras: Demonstram uma maior sensibilidade aos cenários adversos, especialmente aos efeitos de segunda ordem, devido à reavaliação dos ativos e das responsabilidades relacionadas com catástrofes naturais;
  • Fundos de Pensões e de Investimentos: Sofrem amplificações significativas nas perdas de segunda ordem, revelando maiores vulnerabilidades na interação entre os vários setores, de acordo com exposição cruzada.

A Tabela abaixo apresenta as perdas projetadas para bancos, seguradoras, fundos de pensões e investimentos.

Os bancos, apesar de apresentarem uma exposição inicial mais elevada, no cenário de base, aos riscos de transição, mostram maior resiliência nos cenários adversos devido à menor dependência dos ativos com exposição aos riscos físicos, decorrentes das catástrofes naturais. Por seu turno as seguradoras enfrentam perdas acentuadas nos cenários adversos, com destaque para o cenário amplificado, com maior exposição aos efeitos de segunda ordem, cujas perdas mais elevadas refletem a maior sensibilidade aos riscos físicos sujeito às condições económicas reais adversas.

Contudo, é de referir, a limitação do uso de alguns dos mecanismos de absorção e de mitigação de choques nos seguros, não considerados, na ótica de balanço estático, os quais podem servir de atenuantes e mitigantes, numa perspetiva dinâmica do balanços, ao incorporar as ações de gestão das seguradoras a tais eventos. No geral, os resultados reforçam a necessidade de abordagens setoriais específicas. Enquanto os bancos precisam reforçar a gestão de risco de crédito sustentável, as seguradoras devem integrar, de forma mais robusta, os riscos climáticos nas suas estratégias de gestão dos ativos e dos passivos, nas várias componentes dos riscos de seguros.

Efeitos intersetoriais e potencial amplificação sistémica

Os efeitos de segunda ordem, que incluem a transmissão em cadeia dos choques entre os vários setores financeiros, são particularmente relevantes. As seguradoras, devido às características das suas carteiras de investimento mais diversificadas e ligadas aos mercados financeiros, amplificam alguns dos impactos reais, enquanto os fundos de pensões e investimento enfrentam perdas mais severas devido aos choques nos mercados de dívida, tipicamente de durações mais elevadas. Esta dinâmica intersetorial sublinha a necessidade de uma supervisão integrada, capaz de identificar e mitigar riscos e vulnerabilidades antes que estas se traduzam em crises sistémicas.

Estratégias climáticas de mitigação e adaptação

A transição para uma economia de emissões reduzidas em carbono exige uma resiliência financeira e requer uma ação estratégica de adaptação e de mitigação, a integrar quer por parte da governação de riscos pelos operadores quer por parte das autoridades de supervisão, no sistema de gestão de riscos. Para o setor segurador, em concreto, tal implica:

  • Integração de riscos climáticos: Incorporar os riscos de transição e os riscos físicos, diretamente no sistema de gestão de riscos tal como recomendado ii, em particular, nas políticas de gestão de subscrição e investimentos;
  • Inovação tecnológica: Utilizar a tecnologia, dados e inteligência artificial para prever e gerir impactos climáticos de forma eficaz, nomeadamente, no mapeamento de riscos climáticos e ações concretas de prevenção, adaptação e mitigação no terreno, em particular, em Portugal, de acordo com exposição geográfica a catástrofes;
  • Educação e literacia climática: Sensibilizar clientes, individuais e empresariais, no que respeita aos riscos climáticos, impacto no negócio e património, e benefícios da adaptação, por via da educação e literacia climática;
  • Interação público-privada: desenvolver as parcerias entre governos nacionais, regionais e locais com os reguladores e supervisores, bem como operadores, do setor segurador, e até bancário, para mitigar os riscos de protection gap (lacuna de proteção) e fomentar a adaptação à transição climática por via de estratégias de defesa e resiliência coletiva da sociedade, da economia e das comunidades.

Nesse sentido, os testes climáticos não apresentam exclusivamente um diagnóstico; mas representam uma chamada de atenção para uma atuação estruturada, como demonstram os resultados acima. Para o setor segurador, a transição climática é simultaneamente um desafio e uma oportunidade de liderar a adaptação e a resiliência num contexto de transformação da sociedade e da economia.

Em conclusão, os exercícios climáticos apresentam uma boa avaliação da resiliência financeira, em particular, no cenário base de transição ordenada, contudo, representam um sinal de alerta para uma ação estratégica integrada, de acordo com os resultados dos cenários adversos. Especialmente, para o setor segurador, cujas alterações climáticas podem, e devem, ser uma oportunidade para liderar a transição, redefinindo a forma como os riscos e as oportunidades de sustentabilidade são geridos nos seguros, num contexto de mudança acelerada. A sustentabilidade da economia europeia depende, em grande medida, da capacidade do setor financeiro de apoiar a transição climática, mitigando os riscos e fortalecendo a resiliência financeira.

Os resultados indicativos destes exercícios, lições e conclusões, devem ser, agora, integrados nas políticas e práticas, de governação e supervisão de risco dos vários setores, garantindo que os compromissos de adaptação climática se traduzam num sistema financeiro robusto e inclusivo.

Este é o momento de agir e definir as estratégias de adaptação e mitigação de transição ordenadas.

Fonte: EIOPA – Fit-for-55 Climate Scenario Analysis
i EU-Wide Insurance Stress Tests 2024, com resultados a 17 de dezembro de 2024.
ii Consultar Recomendações ASF, n.º 1/2024, de agosto de 2024

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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