Rui Rio, o jornalismo e a democracia
Um candidato a primeiro-ministro que tem como uma das suas prioridades o controlo da comunicação social pode ser o melhor em tudo. Mas não pode ser primeiro-ministro.
Do debate dos seis líderes políticos na TSF/Renascença/Antena 1, pouco se acrescentou ao que já se sabia, sendo, ainda assim, um modelo muito bem conduzido pelos três jornalistas e, em certo sentido, mais claro do que o debate televisivo que o antecedeu, porque foi focado em três ou quatro temas. Sobrou, ainda assim, o ataque de Rui Rio ao jornalismo e aos jornalistas, uma espécie de ódio de estimação que lhe está cravado. O que está em causa não é corporativismo, é a defesa da democracia, da separação de poderes, coisas que parecem interessar pouco ao líder do PSD.
Rui Rio é economista, mas deveria investir algum do seu tempo a estudar ciência política, a fundação do liberalismo (não o que se discute agora, mas aquele que deu origem às revoluções inglesa e americana), a Magna Carta e outros documentos históricos. Para perceber que os erros do jornalismo — que também os há, sim — são um preço que a sociedade deve estar disposta a pagar para garantir, em contrapartida, uma fiscalização e um escrutínio dos diversos poderes, desde logo o poder político. E, em consequência, a capacidade dos governados de avaliarem as decisões dos governantes.
O que nos deixou um dos pais fundadores dos EUA, Thomas Jefferson? Deixo a afirmação direta, em inglês:
- “The basis of our governments being the opinion of the people, the very first object should be to keep that right; and were it left to me to decide whether we should have a government without newspapers or newspapers without a government, I should not hesitate a moment to prefer the latter. But I should mean that every man should receive those papers and be capable of reading them”. (1787)
O que importa, aqui? Tudo. Mas é necessário relevar a ideia de que, para um dos políticos mais importantes da história da democracia liberal como a conhecemos, e que hoje está tão ameaçada, é mais importante jornalistas sem Governo do que um Governo sem jornalistas. Para Rui Rio, pelos vistos, é exatamente o contrário.
Sim, sabemos que Rui Rio não quer acabar com a imprensa, mas na verdade quer controlar a imprensa, as suas opções, a sua independência. E isso, no limite, resultará no seu fim. E no fim da democracia. O que disse o líder do PSD? Rio afirmou no debate das rádios que a [lei] da violação do segredo de justiça deve ser aplicada a todos os portugueses, incluindo os jornalistas que divulgam informação que está classificada sob segredo de justiça. “A publicação não deve ser permitida, obviamente”, disse o presidente do PSD. Rui Rio diz que entende que não é uma proposta politicamente correta, mas que é o que defende para começar a estancar a contínua violação do segredo de justiça.
Há, nestas afirmações, vários problemas: Desde logo, não é politicamente incorreta, é mesmo muito errada. Se há um problema no segredo de justiça, e há, Rio deveria olhar para outras fontes. Depois, Rio deveria saber que os jornalistas também estão na alçada da lei sobre o segredo de justiça como todos os outros portugueses, ao contrário do que sugere. E finalmente, já houve condenações de jornalistas em Portugal por este facto, porque, na verdade, o que está em causa é mesmo uma ponderação de valores em cada momento, o da liberdade de imprensa e o interesse público do que está em causa e o segredo de justiça e valores como o direito à privacidade ou a proteção de uma investigação judicial.
Quando um jornalista viola o segredo de justiça, avalia os vários interesses em causa e o mais importante deles, o interesse público. E se decide publicar uma notícia sobre informação que está em segredo de justiça, é porque põe o interesse público acima de outros. E assume as responsabilidades dessa decisão. Os tribunais já têm a lei que precisam para julgar estes casos. Há erros dos jornalistas? Há. Há jornalistas que não cumprem as regras? Há. Mas os benefícios para a sociedade, para a democracia, de todas as outras violações de segredo de justiça que contribuíram para um país mais respirável, mais transparente, menos corrupto, menos rentista, menos nepotista, deveriam levar Rio a apontar as suas prioridades para outro lado. Para o combate à corrupção, para os meios materiais e legais das forças de investigação, por exemplo.
Um candidato a primeiro-ministro que tem como uma das suas prioridades o controlo da comunicação social — mesmo com motivos bondosos, é irrelevante — pode ser o melhor em tudo. Mas não pode ser primeiro-ministro.
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